No dia 13 de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravatura no Brasil — o último país das Américas a extinguir esse regime. Apesar de representar um marco histórico na luta contra a escravidão, a lei teve um caráter simbólico e incompleto. Sem nenhum tipo de reparação, inclusão social, apoio do Estado ou acesso à terra, educação, moradia ou trabalho digno, as pessoas negras foram deixadas à própria sorte em uma sociedade ainda profundamente racista e excludente.
É nesse contexto que surge a necessidade de construir uma cultura antirracista. Não basta ser contra o racismo de forma passiva; é preciso agir ativamente para desconstruir os preconceitos, combater a discriminação e transformar estruturas sociais, educacionais, políticas e culturais que perpetuam até hoje desigualdades. A cultura antirracista reconhece a contribuição dos povos negros à sociedade, valoriza suas histórias e promove a equidade racial em todos os espaços.
A literatura tem um papel fundamental nesse processo. Ela é uma ferramenta poderosa de formação de pensamento crítico, de empatia e de ressignificação de narrativas. Essa seleção de livros visibiliza a história negra, cria identificação e representatividade e educa os leitores para compreenderem as dores, lutas e resistências do povo negro, promovendo conscientização sobre o tema. Também reescreve o imaginário coletivo, substituindo estereótipos por personagens complexos, heroicos, diversos e humanos.
Abaixo, confira 10 livros para construir uma cultura antirracista!
1. Manual prático de educação antirracista
Utilizando a experiência como educador e da MPBIA, uma pedagogia inovadora que hoje é referência nacional de educação antirracista, Allan Pevirguladez apresenta uma obra que visa auxiliar educadores, pais e empresários a promoverem uma relação mais saudável e inclusiva. A intenção do autor é estimular a equidade para todos, sem espaço para o racismo atuar com tranquilidade, estancando de vez todo o mal que ele causa.
2. Democratização do colo: educação antirracista para e com bebês e crianças pequenas

Pesquisas indicam que bebês negros ganharam e ganham menos colo e que suas presenças são ostracizadas em instituições educacionais. A obra escrita por Jussara Santos faz uma convocação para que o colo seja direito de todos na primeira infância. Cenas reais cotidianas compõem esse texto, que espera contribuir para a formação antirracista e a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
3. Cinquenta tons de racismo

“Pardo”, “moreno claro”, “escurinho”, “mulato”… No Brasil, o número de palavras parece infinito para definir a cor da pele de quem não é totalmente percebido nem como branco, nem como negro. Este livro escrito por Janaína Bastos vai às raízes do racismo à brasileira para explicar o fenômeno da mestiçagem e de seu lugar conflituoso em nosso imaginário racial, demonstrando que, no Brasil, a questão racial não se resolve com explicações binárias ou simplistas.
4. Memphis

Três gerações de mulheres negras inesquecíveis dominam as páginas desta estreia de Tara M. Stringfellow. “Memphis” é a história de suas esperanças e sonhos, seus casos de amor, os homens bons e maus em suas vidas e como a esperança, a alegria e a mágoa podem ser passadas de uma geração para outra.
5. Cresça e enriqueça

Douglas Araújo é um homem negro, que precisou vender abacate nas ruas com apenas 7 anos, e hoje faz um trabalho de empoderamento com cidadãos negros a partir da educação financeira. Nesta obra, ele aborda que o crescimento pessoal e do próprio patrimônio são desejos alimentados silenciosamente há anos por milhões de pessoas. Mas são poucos os que realizam tal sonho. Este livro é um manual que contém os segredos para prosperar, assim como ele os aplicou em sua vida.
6. Fios de ferro e sal

A fantasia histórica ambientada no Brasil Império, de Wilson Júnior, “Fios de Ferro e Sal” narra a história de Kayin, um homem negro cativo que está sendo transportado em um navio negreiro. Usando dons que aprendeu com Ogum, consegue quebrar as correntes que o prendem e se une a uma rebelião na embarcação. Junto a criaturas fantásticas, ele parte em uma perigosa jornada a bordo de uma jangada rumo ao mar aberto, para cumprir a vontade da deusa do mar. Esta é uma narrativa sobre memória e resistência.
7. O amor não está à venda

Ana Azevedo Bezerra Felicio propõe uma releitura antirracista do “Cântico dos Cânticos”, ao destacar como traduções bíblicas carregadas de viés racista e patriarcal desvalorizam a negritude e o protagonismo feminino. A autora negra e cristã denuncia, por exemplo, o uso da conjunção “mas” na frase “sou negra, mas formosa”, ideia que reforça estigmas históricos sobre oposição entre negritude e beleza. Em resposta, ela defende uma tradução mais fiel ao hebraico original: “sou negra e formosa”, resgatando a dignidade da mulher negra na narrativa da Bíblia.
8. Os tambores de São Luís — em quadrinhos

A adaptação do clássico de Josué Montello acompanha a trajetória de Damião, um homem negro que, após ver seu quilombo destruído, luta por liberdade na São Luís do século XIX. Impedido de se tornar padre pela sociedade racista, ele encontra na advocacia e na educação formas de resistência. Com ilustrações de Ronilson Freire e Rom Freire e roteiro de Iramir Araujo, a HQ resgata episódios históricos como a Balaiada e figuras emblemáticas do período, importantes para a memória do país e luta contra a desigualdade racial.
9. Uma negra comédia

Sem nome próprio, o protagonista-narrador desta história relata seu nascimento, crescimento e amadurecimento na favela de uma das regiões mais perigosas da cidade. Diante de uma violenta realidade, ele lida com desigualdades raciais, violência doméstica e falta de oportunidades enquanto experiencia o primeiro amor, as complexas relações familiares e os dilemas típicos da juventude. Com capítulos curtos e uma narrativa fragmentada, Fábio Gonçalves une o lirismo à coloquialidade para reforçar a autenticidade literária das expressões cotidianas da periferia de São Paulo.
10. Na solitária

Albert e outro membro dos Panteras Negras foram acusados por um crime e, sem provas contra eles, seus julgamentos foram uma fraude que os condenou à prisão solitária perpétua. Décadas se passaram antes que Albert conseguisse um advogado obstinado, conseguiu libertá-lo em 2016. Ele sobreviveu para nos entregar esta crônica de poder e humanidade raros e comprova que a nossa natureza pode superar qualquer adversidade.
Por Ana Paula Gonçalves