Um recente levantamento realizado pela Universidade de Aarhus, na Dinamarca, revela que crianças que crescem com pouco acesso a áreas verdes têm até 55% mais chances de desenvolver distúrbios psicológicos ao longo da vida adulta. O estudo, publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, acompanhou mais de 900 mil crianças ao longo de uma década, estabelecendo uma relação direta entre o contato com a natureza e a saúde mental.
No Brasil e em outros países, profissionais da infância vêm relatando um crescimento significativo em sintomas como irritabilidade, déficit de atenção e comportamentos compulsivos entre crianças que passam a maior parte do tempo em ambientes urbanos, com poucas oportunidades de brincadeiras em áreas naturais. De acordo com um levantamento realizado pelo Ministério da Saúde (MS), de 2014 a 2024, o atendimento a crianças de 10 a 14 anos relatando sintomas de ansiedade cresceu cerca de 2.500% no Sistema Único de Saúde (SUS).
O jornalista e pesquisador norte-americano Richard Louv, autor do livro “A Última Criança na Natureza“, é uma das principais vozes sobre o tema. Em sua obra, ele cunhou o termo “transtorno do déficit de natureza”, para se referir às consequências físicas e emocionais da desconexão infantil com o mundo natural. “As crianças estão sendo privadas de uma fonte essencial de aprendizado, saúde e equilíbrio emocional. A natureza oferece estímulos únicos que nenhuma tecnologia consegue reproduzir”, afirma.
Menos tempo ao ar livre
Além dos impactos psicológicos, o contato com ambientes naturais favorece o desenvolvimento motor, cognitivo e social. Um estudo do National Institute for Health and Welfare, da Finlândia, concluiu que crianças que brincam diariamente em áreas verdes apresentam menores níveis de inflamação no organismo e microbioma intestinal mais saudável, além de maior capacidade de autorregulação emocional.
O cenário contrasta com a realidade de muitas crianças urbanas. Dados da ONG britânica The Wildlife Trusts indicam que elas passam, em média, menos de uma hora por dia ao ar livre — tempo inferior ao de prisioneiros em regime fechado. Da mesma forma, o período médio de tela entre crianças de 5 a 12 anos já ultrapassa quatro horas diárias, segundo levantamento da Common Sense Media (organização que oferece educação para famílias menos privilegiadas).
Necessidade para o desenvolvimento humano
Diante das evidências, especialistas defendem uma mudança de postura urgente por parte de escolas, famílias e formuladores de políticas públicas. Iniciativas como trilhas educativas, hortas escolares, atividades pedagógicas ao ar livre e acesso facilitado a parques urbanos são apontadas como estratégias eficazes para reverter o quadro.
“O contato com a natureza não é recreação: é uma necessidade vital para o desenvolvimento humano“, resume Richard Louv. Em um mundo cada vez mais tecnológico, reconectar as crianças ao ambiente natural pode ser a chave para formar adultos mais saudáveis, resilientes e conscientes.
Aumentando o contato com a natureza
Para apoiar os pais no processo de inserção das crianças em um contato mais próximo com a natureza, Viviane Candotta Gabriel, bióloga de formação e educadora ambiental da Associação Ambientalista Copaíba, lista 5 dicas fáceis de implementar no dia a dia. Confira!
1. Crie pequenas expedições ao ar livre
Mesmo que você more em áreas urbanas, parques, praças e espaços verdes próximos podem se transformar em “expedições” para observar plantas, insetos e pássaros. Incentive a curiosidade da criança com perguntas como: “que tipo de árvore é essa?” ou “quantos tipos de folhas diferentes conseguimos encontrar hoje?”.
2. Monte uma horta ou jardim em casa
Cultivar hortaliças, temperos ou flores em vasos, canteiros ou jardineiras ensina sobre ciclos da natureza, responsabilidade e paciência. É uma atividade sensorial e envolvente que estimula o cuidado com o ambiente e a alimentação saudável.
3. Promova o brincar livre na terra
Deixe as crianças se sujarem. Brincar com barro, areia e folhas é essencial para o desenvolvimento motor, emocional e imunológico. O contato com o solo, inclusive, favorece a diversidade do microbiota intestinal, essencial para a saúde.
4. Use a observação da fauna como atividade educativa
Andar com lupas, binóculos ou caderninhos de anotação para observar insetos, aves ou pequenos animais transforma qualquer passeio em uma experiência científica e divertida. Anotar o que foi visto estimula a atenção e o interesse pela biodiversidade.
5. Leve a natureza para dentro de casa
Quando não for possível sair, livros sobre a vida animal, documentários sobre ecossistemas ou até criar um terrário com as crianças podem aproximá-las do mundo natural. O importante é cultivar o olhar curioso e respeitoso com a vida ao redor.
Por Milena Almeida