Mais de duzentos milhões de palhaços no salão – Sergio Agra
“Quem é você? Adivinhe se gosta de mim?
Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:”*
Iniciam-se neste sábado nestas terras cabrálias os festejos momescos. À exceção dos Estados das Regiões Sul, Centro-Oeste e Norte, o Rio de Janeiro e o Nordeste a folia dura 365 dias no ano. No Ceará até retroescavadeira metarmofoseou-se em carro alegórico, furiosamente dirigido por um dos herdeiros do coronelismo mais podre daquele Estado.No mais, além do axé de Ivette Sangalo, o que mais se ouve é o refrão: “Ô, mãinha, salve, meu rei, pernas pro ar que ninguém é de ferro, não!”.
“Quem é você?, diga logo
Que eu quero saber o seu jogo,
Que eu quero morrer no seu bloco,
Que eu quero me arder no seu fogo”.
Não tenho preconceitos. Ou gosto ou desgosto É direito de qualquer ser humano. Respeito e defendo as diversidades de raça, de cor, de credo e de orientação sexual. Gosto da malemolência do nordestino, realçada no chiste de que baiano quando joga basquete na “sexta”a bola só chega no aro no sábado.
“Eu sou seresteiro, poeta e cantor.
O meu tempo inteiro só zombo do amor.
Eu nado em dinheiro.
Não tenho um tostão.
Eu tenho um pandeiro.
Só quero violão”.
São eles, os nordestinos, reconhecidamente povo alegre, musical, descontraído, devagar-quase-parando. Baiano não morrer por estresse (para pura inveja dos sulistas), privilégio de quem vive e curte o clima tropical. Não há demérito na alegria, na descontração, no axé e na musicalidade daquele povo. Ser um Dorival Caymmi deitado eternamente na rede esplêndida é virtude.
“Fui porta-estandarte, não sei mais dançar.
Eu, modéstia à parte, nasci pra sambar.
Eu sou tão menina.
Meu tempo passou.
Eu sou Colombina.
Eu sou o Pierrô”.
Elevam-me às alturas sambistas do quilate de Jorge Aragão, Dudu Nobre, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Chico Buarque e outros já imortais. Pagodeiros ao nível de Zeca Pagodinho deleitam-me os sentidos. Não me atraem os bailes de carnaval tampouco carar as madrugadas em frente a uma tela de TV assistindo ao desfile da Marquês de Sapucaí. Aplaudo a garra e a entrega da porta-bandeira, do mestre-sala e das baterias da Beija-Flor de Nilópolis, da Mocidade Independente de Padre Miguel. Respeito a liberdade de cada brasileiro de sambar atrás do trio-elétrico e de beber até cair. Afinal, desordem e carnaval foram as únicas coisas que deram certo no Brasil.
E me incluo no bloco dos mais de 200 milhões.
“Mas é carnaval,
Não me diga mais quem é você
Amanhã tudo volta ao normal,
Deixe a festa acabar,
Deixe o barco correr,
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou
Da maneira que você me quer,
O que você pedir eu lhe dou,
Seja você quem for,
Seja o que Deus quiser…”
* Noite dos Mascarados – Chico Buarque de Holanda