Um anarquista romântico na Venezuela _ Sérgio Agra

Um anarquista romântico na Venezuela _ Sérgio AgraUM ANARQUISTA ROMÂNTICO NA VENEZUELA

Para minha colossal perplexidade, amigo de longa data confidenciou-me algo tão kafkiano que a princípio julguei ser fruto da paranoia que esta pandemia está causando a qualquer vivente deste planeta. Declino dizer seu nome por dever de caridade cristã e para evitar ferir suscetibilidades. Apenas digo que fomos companheiros de luta contra o regime de exceção que vigorava no Brasil naquele final dos anos 1960, no Centro de Atuação Juliana (CAJU), juntamente com a turma do Grêmio Livre, liderada pelo casal Suzana e Luiz Eurico Tejera Lisboa (“desaparecido”, desde 1972, teria cometido “suicídio” no quarto de uma pensão, em São Paulo), no Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Com a decretação do AI-5 nossas ações em prol do retorno do regime democrático de direito, com os Centros Acadêmicos e Grêmios Estudantis operando na clandestinidade, fechados que foram por determinação do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social),se tornaram de extremo risco.

Seduzidos pelo “canto da sereia”, consubstancializado nas obras de Lênin (“Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, “O Estado e a Revolução”), Mai Tse Tung (“O Livro Vermelho”, “Seis Escritos de Guerra”), “Che” Guevara (“Nossa Luta em Sierra Maestra”, “A Guerra de Guerrilhas”), obtidas em livrariazinhas clandestinas, apenas uma porta-e-janela, desaparecidas no tempo ou sob os coturnos e baionetas dosarapongas e dos verde-oliva (a Livraria Palmarinca heroicamente resistiu e cresceu), embalávamos nossos ideais de guerreiros contra a tortura e a ditadura militar.

Doce ilusão de quem acreditou que aqueles históricos líderes “estrangeiros” que idolatrávamos eram os “modelos” da quimérica “social democracia”.Pois, para o amigo de quem ora falo, o “sonho não havia acabado”!

Há poucos dias ele me confessou que estava de partida para a Venezuela.Argumentei-lhe que com a morte de Hugo Chávez percebêramos que aquele ex-presidente e dublê de bufão venezuelano — que o Rei de Espanha,bem mais educadamente do que o “Cala a boca porra!” ordenado pelo Brucutu tupiniquim ao jornalista que o entrevistava — não passava de um ditador de operetas.O déspota Nicolás Maduro, atual Presidente da República Bolivariana de Venezuela, arremedo de um Stálin ou de um Chiang Kai-shek, assim mesmo extremamente belicoso e sanguinário como os outros dois,determinara através de decreto o bloqueio de celulares e extinção de planos de saúde e escolas particulares, bem como a estatização de empresas da iniciativa privada e, o absurdo dos absurdos: aqueles que possuam mais de uma propriedade deverão entregar ao Estado o patrimônio excedente.

Como meu amigo se mostrasse irredutível, perguntei-lhe qual a razão de tamanha aventura (ou desventura?).

Com o talento de um debochado filósofo, anarquista e leniente poeta romântico, afirmou que desta feita o “canto” provinha, sim, de uma bela “sereia”, Doña Cilia Adela Gavidia Flores de Maduro, “carinhosa e intimamente” apelidada Adela Mayana, e com a malemolência que mesmo com o passar dos tempos nunca perdera me esclareceu em versos que

Vou-me embora para a Venezuela.
Lá sou amigo de Maduro
e de sua filha Manuela,
com quem terei promissor futuro
amaciando o destino dela.

Hoje mesmo vou-me embora
pra República Bolivariana,
eis que chegou a hora
de dançar o joropo* com Doña Mayana.

Perguntarão os amigos curiosos,
quem é misteriosa dama,
com seios tão dadivosos
que te acolhe em sua cama?…

Como lá vigora o social,
tua casa é casa minha também,
nada demais, por supuesto, é natural!,
que, além de Manuela, Mayana,
a esquecida esposa de Nicolás,
divida comigo a sedosa cama…

*joropo – dança do folclore venezuelano

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