NO ESPACE SB – Sergio Agra
NO ESPACE SB
Capítulo XXIII Da Série As Crônicas de Aleph
Não, não era um domingo cristão, como diria o imortal Bruxo de Cosme Velho. Era um imenso domingo com cara de ressaca, de ruas silenciosas, desertas, onde se distinguia apenas um cão vadio, encolhido no batente da porta de uma pizzaria, ansiando pelo calor de um sol que negaceava chegar.
Fora neste cenário que vislumbrei a intrigante figura de Aleph vagando, sem rumo, desorientado como se esta não fosse a sua cidade, o seu chão, o seu berço. Aproximando-me vi que ele trazia o olhar fixo no vazio. Chamei-o pelo nome duas vezes. Na terceira tentativa ele pareceu sair do torpor em que se guardava.
Sentamo-nos no banco da Praça Carlos Simão Arnt, mais conhecida por Praça da Encol, e ouvi de Aleph a bizarra narrativa do que foram as suas últimas vinte e quatro horas.
É ele, Aleph, quem agora conta:
No sábado, após muitos anos, retornei ao Espaço SB. Uni a necessidade de dar um corte mais digno aos cabelos com o desejo de rever Sidy B., amigo de juventude. Não nos víamos desde a festa de aniversário dos dois anos de Coral, sua filha. Sidy me contou que ela morava no Rio e já se tornara conhecida como talentosa artista plástica.
Enquanto o pente e a tesoura percorriam através de suas mãos hábeis minhas melenas, lembrávamos o meado dos anos de 1960. Os anos dourados das noites alegre-portenses. — “Lembras — dizia Sidy—, começávamos pela Danceteria Whisky a Go Go, na esquina da Rua Garibaldi com a Avenida Independência?”.
De fato, o nosso “périplo” pelas casas noturnas daquela Avenida tinha ali o seu porto de largada. Seguiam-se o Barroco, a Baiuca, o Encouraçado Butikin, o Locomotive e para curar a ressaca nas altas madrugadas a suculenta sopa de cebola do Restaurante Tia Dulce.
Sidy, após dar uma pausa nas tesouradas, nostálgico, arrematou, — “Não me esqueço das minhas músicas preferidas. O Claudinho P. me presenteava com uma delas quando eu entrava na pista do Encouraçado”.— “Que memória, meu velho! — o parabenizei complementando — Sem esquecer, é claro, a antológica Strangers In The Night!”, E pusemo-nos a rir ante as reminiscências evocadas.
— “Por que já não ficas por aqui hoje? — Sidy estendeu-me o convite… — Daqui a pouco estarei reunindo a elite daqueles anos dourados”. Desculpei-me constrangido, — “Não estou vestido a rigor para as tuas festas”. — “Não será nada formal!” — Sidy esclareceu.Busquei em vão me desvencilhar do convite, — “Olha só, estou de jeans e tênis…”. Sidy fora rápido na sua réplica, — “Pode apostar, estás mais bem vestido do que como muitos deles, hoje falidos, se apresentarão. — E garantindo-me a diversão confirmou, — “Vão “rolar” algumas buenas cositas, tudo na maior desconstração, sobretudo porque o “Nuvem Negra da Sociedade Porto-alegrense” não se encontra na cidade”.
Restou-me somente aceitar a intimação.