Um salto para o futuro? – Sergio Agra

Não, não era o tempo do rei, como Manuel Antônio de Almeida iniciaria o capítulo I de sua obra “Memórias de um Sargento de Milícias”, não! Tampouco era o tempo…
Foto: Sergio Agra

Não, não era o tempo do rei, como Manuel Antônio de Almeida iniciaria o capítulo I de sua obra “Memórias de um Sargento de Milícias”, não! Tampouco era o tempo do fax (Tecnologia de envio de documentos pela linha telefônica, uma máquina muito mais antiga do que você pensa*), porém, era o tempo de José Sarney, autointitulado ad perpetum “rei do Estado Maranhão”, em que pese a metade ser reivindicada pela filha, Roseana Sarney.

Pois bem, naqueles idos de 1980 instalou-se numa mansão na Zona Sul de Porto Alegre um (argh, sempre os anglicismos!) CEO (Chiefexecutiveofficer), isto é, pessoa que ocupa o mais elevado cargo de direção dentro de uma empresa, neste caso, uma poderosa fabricante internacional de refrigerantes. O referido CEO, simplesmente, jamais exerceu suas funções nas dependências físicas da fábrica, que se instalara às margens de uma rodovia. Dirigia-a desde seu gabinete, uma ampla, iluminada e arejada dependência da casa em que residia através do dito fax. Os três filhos, estudantes de uma escola no Bairro Três Figueiras, seguiam e retornavam do colégio em carro com motorista e horários previamente fixados e contratados juntos à locadora de veículos, o “avô do Uber”.

Pode-se imaginar a economia que este visionário gestor assegurava em suas finanças, considerando-se o consumo de combustível e o desgaste de automóvel próprio, o tempo de deslocamento e a desobrigação trabalhista para com o chofer, pois que terceirizado.

A pandemia que assola o planeta há exatos dois anos exigiu um novo perfil comportamental não somente nas relações de trabalho como em todas as nossas atividades como seres humanos ativos. Tornou-se fundamental inovar naquelas e nas diferentes convivências ante o urgente e compulsório distanciamento social. Dos segmentos mais afetados pelo lockdown (outra vez o anglicismo para significar expressões como isolamento ou restrição de acesso imposto como uma medida de segurança foram, sem dúvida alguma e acima de todos o familiar e o parental, as atividades de artísticas, criativas e de espetáculos, transporte aéreo, ferroviário, metro ferroviário, interestadual, intermunicipal, público urbano de passageiros, comércio em geral e, sobretudo, os restaurantes. Estes buscaram através de delivery (o anglicismo outra vez!) a sua sobrevivência, o que não ocorreria com grande número de pequenos estabelecimentos comerciais que se viram na contingência de cerrar suas portas.

De outra banda, inúmeros segmentos como o judiciário, o legislativo, as instituições de ensino, empresas de consultoria, clínicas e profissionais substancialmente da psiquiatria e psicologia transformaram suas atividades presenciais em virtuais. As audiências e os julgamentos, as sessões plenárias, as aulas, as consultas e pareceres técnicos, as sessões psicoterapêuticas converteram-se em trabalho remoto (feito de qualquer lugar: de casa, de um coworking, de outra cidade, estado ou até mesmo país) e home office (trabalhar em casa em período integral).

É inconteste, pois, que a pandemia do Covid-19 impôs peremptoriamente uma “nova normalidade” ao cotidiano de nossas vidas pessoal, profissional e social como ora se constata. As relações, sobretudo as de trabalho, transfiguraram-se absurdamente. As operações financeiras e bancárias, por exemplo, concentraram-se nos aplicativos, reduzindo sensivelmente a ingerência da pessoa física do bancário.

Afirma-se que a humanidade deu um salto de mais de dezena de anos rumo ao futuro. Como é de meu perfil, ser polêmico, contestador, pergunto:

— Seria este também o “salto mortal” de um trapezista sem a rede de proteção?…

* O fax é mais antigo que o telefone. O inventor escocês Alexander Bain patenteou em 1843 um projeto de um telégrafo elétrico capaz de transmitir imagens por meio de fios.

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