Colunistas

Sábado é dia de assassinar crianças

“Desconhecimento completo do caos interior
 ou exterior que cerca a existência do ser
 humano que se esforça em não mudar de
postura. A futilidade dos esforços por manter
 uma determinada posição, pois não existe razão
para isso.” – XII – O ENFORCADO – Décima
Carta dos Arcanos Maiores – Tarô de Marselha

…dor que dilacera meu peito o filho do demônio que germina em minhas entranhas hei de pari-lo hei de extirpá-lo como a um câncer maligno culpa imerecida ar esta falta de vou parar uma vez mais caminhar me faz bem com este cancro indesejado rouba-me até o ar como se não bastassem todas as perdas ar não é tanto pelo meu peso não estou muito gordo nunca havia visto a cidade daqui na janela de um quarto no sexto andar parece outra é desconhecida os prédios os jardins os out doors este céu plúmbeo e as pessoas são estranhas hostis depois do enterro ninguém quis me acompanhar sabem que estou grávido carrego o filho do cão o demo nesta lomba íngreme sou jamanta carregada descendo as montanhas no velório a mãe dele me disse que não voltasse mais pegasse meus trapos e me virasse senti nos olhos dela o ódio injustificado a transferência equivocada da dor a verdade bem ela sabe não era aquela com que me crucificou sou trabalhador fui pai ou me ausentava para as horas extras ou não pagava a mensalidade do colégio sempre gostei da loira gelada dos dadinhos do pife jogar conversa fora com os amigos de copo e de quando em vez não tem vadia muito menos tida e mantida que não sou homem desses sustentos no ardor do sofrimento de mãe entendi ela quis desenhar minha vida inteira como se a única coisa que eu soubesse fazer era encher a cara de martelinho e cuba-libre chegar em casa demanhãzinha o pranto dela como o gemido de um animalzinho mortalmente ferido lembrou que eu só levara o defuntinho duas ou três vezes no Lami p’ra justificar as pândegas com a turma de biriteiros respondi que o mortinho muito se divertira ela rangeu os dentes me agrediu falou que ele voltara com queimaduras de segundo grau rebati que estava corado do ar livre corado do sol ela retrucou judiação daqueles moleques safados escondiam se do anjinho no boteco do Ademar atrás das caixas de branquinhas bebiam imagina samba feitos gambás crescidos o finadinho aneurisma foi aneurisma cerebral feito pião bobo vasculhando cada canto da praia não era verdade o menino nunca se queixara a mãe me jogou na cara a promessa da viagem à Disney fosse ele aprovado na escola o primeiro da turma a grana do prêmio nos bolsos dos parceiros do carteado ar me falta ar este maldito capeta aborto o para todo o sempre vou parar apenas um pouco Praça da Saudade é o que vou carregar p’ro resto desta puta vida o defuntinho sim ele sabia a verdade quem sabe agora anjinho vem conta p’ra mãe não era bem assim depois dá um sinal me manda uma luz p’ra alumiar meu caminho e limpar o excremento com que esta pomba de merda me bombardeia e escorre pela pálpebra roça o lábio emporcalha de vez o paletó cago e ando p’ro que pensam os vizinhos só não quero que me condenem à eterna dor do mundo vou mesmo é p’ro bar do Lamartine rolar dadinhos jogar um pife botar conversa fora beber fogo paulista ou a porra de um martelinho beber até me emborrachar e esquecer o que….

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