Amar – verbo transitivo direto
Fora um sentimento fulminante, isso tive certeza. Minha paixão por ti foi um estado de permanente disponibilidade, sem medida de tempo, espaço ou circunstância. Incondicional! Para mim, o exercício do dar-me e, na minha entrega, o sentido maior de existir.
Eu pisava fundo, usava capa e espadim. Era um siderado. Vislumbrava jardins de margaridas e girassóis. Transformava a Yamaha 500 cilindradas num Pégaso alazão, dispensava o freio, viajava com o farol alto. Buzinava em locais proibidos, avançava sempre com o sinal fechado. Compreendia teu gesto ríspido e a palavra mais dura. Juntava os cacos das coisas que jogavas p’ro ar na hora da raiva, e pedia-te sempre p’ra ficar.
Eu te amparava e não permitia que os nossos sonhos e fantasias fossem invadidos e aniquilados. A minha paixão era inteira. Era troca de afetos, de segredos. Obsequioso eu te ouvia. Calava-te, outras vezes. Resgatavas algumas lembranças. No abraço infinito, a capacidade de saber perdoar. Eu era a redoma que te acolhia no instante em que o teu brinquedo quebrasse. Telefonava-te a qualquer hora e por qualquer razão; se iríamos a algum cinema naquela noite, ou se ficaríamos em frente à lareira curtindo um generoso pinotage, mas, no fundo, era para ouvir tua voz e diminuir minha saudade.
Mostrava-te que o amor era o mais pleno exercício da renúncia: acompanhava-te nas cadeiras cativas do Gigante da Beira-Rio, quando eu era azul de amores pelo Imortal Tricolor; assistíamos a um Buñuel em branco e preto, rodado no México, e me dizias que adorara; entrávamos no supermercado em liquidação, numa bela tarde de sábado, para simplesmente comprar meia dúzia de prendedores de roupa.
Dizia-te que amar era vencer juntos, amargar abraçados a eventual derrota e partir para outra; era esquecer o cansaço, beber um espumante e rolar a dívida assumida; adiar-e-adiar-e-adiar a viagem sonhada-sonhada-sonhada; era esperar pelo outro numa esquina e andar sem destino até o último bar: Esperança; esquecer as madrugadas indormidas, perguntando os por quês de coisas não entendidas e explicadas. Amar é pulsão, alquimia/magia, é tudo! Foi a própria vida, enfim, ainda querendo ser…