O alvo aparente
Aconteceu tudo em 1968: os estudantes se revoltaram e armaram barricadas em Paris, não para tomar o poder, mas para dele debochar. Outra ordem caduca começou a ser contestada no Leste Europeu com a Primavera de Praga, que os tanques do império soviético sufocaram. Por toda a parte a autoridade viu-se desafiada: em casa, na escola, na cama, no trabalho, nos palácios. Esse mesmo ímpeto varreu a América, onde a geração nascida no pós-guerra impunha seus valores. Se Bob Kennedy e Martin Luther King tombaram em poças de sangue, as minorias partiram para ocupar os espaços que imaginavam lhes pertencer.
Já o Brasil, parou. Com os estudantes primeiro nas ruas, depois na cadeia, o regime trancou o país. A passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro, um discurso infantil do deputado Márcio Moreira Alves, propondo o boicote ao 7 de setembro, irritaram os militares e serviram de gota d’água para o AI-5. Com ele, Costa e Silva fechou o Congresso, cassou mandatos e censurou a imprensa. Começava uma longa ditadura.
A tortura, que não constava do texto do AI-5, continuava regendo a escrita dos arquivos confidenciais dos quartéis. Vetou-se a impetração de habeas-corpus, pois o Ato Institucional proibia a apreciação judicial desta garantia nos casos de crimes políticos contra a Segurança Nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Sem direito a habeas-corpus, sem comunicação de prisão, sem prazo para a conclusão do inquérito, o preso ficava absolutamente indefeso nos órgãos de segurança, desde o dia do seqüestro até quando passasse à Justiça Militar. Mas, como bem salientei, o ano era o de 1968.
Cursava o então ensino clássico – que correspondia ao atual 2º Grau – no Colégio Estadual Júlio de Castilho, reconhecidamente, àquela época, uma escola com uma representação estudantil contrária à ditadura militar quase que absoluta. Com o fechamento do Grêmio Estudantil, buscamos, eu e um grupo de colegas, na sigla CAJU (Centro de atuação Juliana) a alternativa para nossa militância. Em diversas manifestações de rua, fomos rechaçados, com violência desmedida, até, pelas tropas da Brigada Militar. Vivíamos, afinal, sob um regime de exceção.
Decorridos quarenta anos, políticos integrantes da Comissão de Direitos Humanos do Senado – reiterando a dicotomia que caracteriza as ações deste movimento – viajaram a Porto Alegre, a convite de parlamentares de oposição ao governo estadual, para “peitar” o novo Comandante-Geral da Brigada Militar, coronel Paulo Roberto Mendes para que este explicasse episódios de violência envolvendo, sobretudo, a BM e o Movimento dos Trabalhadores(???) Rurais Sem Terra (MST), documentados em CD’s e fitas de vídeo.
Ora, desnecessário enumerar o imenso e anárquico quadro de vandalismo, destruição e desmoralização das instituições do Estado Democrático de Direito ora vigente praticado pelo MST. E em todas suas manifestações, ressalte-se, mostrou-se um movimento não pacífico, mas um movimento armado e com tática de guerrilha.
Para armar e esticar a catapulta para apedrejar o alvo aparente – coronel Mendes –, aliaram-se a Paulo Paim (PT-RS), Flávio Arns (PT-PR) e José Nery (PSOL-PA) – os que, efetivamente estiveram em Porto Alegre –, os senadores Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC) e Romeu Tuma (PTB-SP), que permaneceram cômoda e convenientemente (para eles próprios) à distância, e sem darem quaisquer explicações de suas ausências.
No mesmo dia, o coronel “virou o jogo”. Determinou, por sua vez, fossem exibidos num telão fotos e vídeos de ações da BM envolvendo o MST, ressaltando os momentos em que os seus militantes jogavam pedras sobre os PM’s e coquetéis molotov, queimando plantações.
Diferentemente de 1968, os movimentos de esquerda têm – como todo e qualquer cidadão brasileiro – a mais poderosa das armas em mão: a Constituição da República Federativa do Brasil. Agora, se o governo federal, por eles próprios ungido àquele cargo máximo, não lhes dá ouvido, creio que o alvo então era outro.