Morrer é preciso
“O barco, meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração, o porto, não
Navegar é preciso, viver não é preciso”.
Os argonautas – Letra: Maria Bethania
Aleph esquadrinhava o seu rosto refletido no espelho do banheiro. A luz de uma nova manhã colaborou, desta feita, para uma decisão.
Definitiva. Chega de saudades! Bastam de remembranças de um ontem que não mais havia o porquê! O último acorde da música em surdina esvaiu-se no espaço e as chamas das velas vermelhas exalaram o derradeiro e tênue brilho, mostrando os cálices vazios e o vinho derramado sobre os carpetes. “Eu não estou mais aqui!”. Isso dito, Aleph desfez-se das calças do pijama – a única peça que vestia – abriu a porta da casa e saiu, rumo ao mar…
Aleph descobriu que é preciso morrer todo dia. A morte nada mais é do que uma passagem, uma transformação. A morte nada mais é que o ponto de partida para o início de algo novo, a fronteira entre o passado e o futuro.
Então Aleph matou em si mesmo o jovem inseguro, crítico, exigente, imaturo, egoísta, ou o solteiro solto que pensava que pudesse fazer planos sozinho, sem ter que dividir espaços, projeto e tempo com mais ninguém. Matou o ser insatisfeito e descompromissado que só pensava em si mesmo. Matou a vontade de tentar manipular as pessoas de acordo com a sua conveniência. Todo processo de evolução exige que matemos o nosso “eu” passado, inferior. E Aleph deu início ao processo.
E qual o risco, a exemplo de Aleph, de não agirmos assim? O risco está em tentarmos ser duas pessoas ao mesmo tempo, perdendo o nosso foco, comprometendo essa produtividade e, por fim, prejudicando nosso sucesso. Muitas pessoas não evoluem porque ficam se agarrando ao que eram, não se projetam para o que serão ou desejam ser. Elas querem a nova etapa, sem abrir mão da forma como pensavam ou como agiam.
Acabam se transformando em projetos acabados, híbridos, adultos infantilizados. Se quisermos ser adultos, devemos necessariamente matar atitudes infantis, para passarmos a agir como adultos. Então, é preciso que matemos o egoísmo, o egocentrismo, para que nasça o ser que tanto desejamos ser. Por isso, morrer é preciso para se nascer melhor ainda. E Aleph foi para o oceano…