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Ele não dá ponto sem nó

Neste primeiro artigo de 2009, peço aos meus generosos leitores que me perdoem, não irei escrever como o Sarney quer que eu escreva. Não custa lembrar que estão em vigor as novas regras de ortografia para os países que falam a língua portuguesa, o que inclui o Brasil. O feito é resultado das maquinações cerebrais desse engodo nacional chamado José Sarney, que, desde a década de 1990, vinha tentando emplacar a adesão do Brasil à reforma ortográfica.

As mudanças que, ao primeiro exame, parecem ser simples assemelham-se aos estragos de uma bomba atômica. Serão precisas mais do que três ou quatro gerações (a exemplo do que ainda ocorre com relação à reforma ortográfica de 1971) para que possamos assimilar corretamente as alterações. Como magnificamente se manifestou o professor Clóvis da Rolt, “Não teria sido mais simples, ao invés da reforma, investir dinheiro público em programas de qualificação do ensino da ortografia da língua portuguesa escrita no Brasil até 2008?”.

Palavras como “idéia” e “azaléia”, desde o primeiro dia do ano de 2009, perderam o acento agudo e passaram a ser grafadas “ideia” e “azaleia”. Mas e as palavras “meia” e “aldeia” – dirão alguns –, que nunca tiveram acento? Ora, elas continuarão sem acento, só não sei que mágica os professores farão para ensinar a uma criança que está sendo alfabetizada que “ideia” e “aldeia”, embora se pareçam na grafia, distinguem-se na sonoridade pela pronúncia, já que era o acento que cumpria essa função distintiva.

O que é mais grosseiro neste acordo é a alegação que sustentou suas bases políticas, segundo as quais haverá maior unidade cultural entre os países falantes da língua portuguesa. Não precisamos pensar muito para constatar que isso é um descalabro. Sarney, essa praga nortista/nordestina que não dá ponto sem nó (alguém que está sempre pensando em tirar proveito pessoal, fazer algo com segunda intenção), é um sujeito imbecil que bate continência à mistificação globalizante que prega que estamos todos num mesmo caldeirão cultural planetário. A maior violência da reforma reside no fato de que ela não considera a língua um elemento de coesão nacional, mas um produto de barganha comercial e geopolítica típico do pensamento pré-inteligível da maioria de nossos políticos.

Os grandes intelectuais, escritores e estudiosos brasileiros já se manifestaram contra a reforma baseados em inúmeros argumentos. Compartilho, assim, com o entendimento professado por Clóvis da Rolt: sugiro aos meus leitores que continuem escrevendo como sempre escreveram. A língua não tem certo ou errado, pois ela é uma construção social totalmente arbitrária; se não é fruto de violências colonialistas, é fruto de dominação simbólica. Quem constrói a língua são os seus usuários e não a lei. Não será, pois, um pulhador como José Sarney (que também é escritor – pasmem!) que verá sua obra nas livrarias em edições comemorativas ao novo acordo ortográfico, porque ela é tão irrelevante para a cultura nacional, que continuará eternamente empoeirada em meio aos tremas e acentos que ele tanto detesta.

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