Colunistas

O sistema

Não me senti compelido a escrever nas últimas semanas. Havia assunto e não motivação. Mas depois de retornar ao livro de Darwin – Viagem de um naturalista ao redor do Mundo (originalmente Journal and Remarks, o diário de bordo do cientista) – e suas centenárias impressões sobre a viagem no Beagle, senti novamente a necessidade escrever, porque me vieram à mente algumas reflexões. Reflexões sobre pequenos atos, sobre podermos mudar o “sistema” através de pequenas ações…

DARWIN I
O Mundo comemora nesse ano de 2009 os 200 anos de nascimento de Charles Darwin, o naturalista que concebeu uma teoria radical na história do pensamento humano: a teoria evolucionista, em que se alicerça hoje a ciência quando o assunto é a origem da espécie humana. Darwin ainda é uma incógnita para muitos. Há aqueles que desacreditam suas idéias por serem contra “a criação”. Ele mesmo teve dificuldade para publicar o que havia escrito, pensou estar sendo contra Deus. Também há, como sempre, aqueles que, sem nunca terem lido A origem das espécies, creditam a ele a frase que ele jamais escreveu que o homem era um descendente do macaco. 

DARWIN II
Ignorância à parte, Darwin desenvolveu sua teoria após a viagem pelo mundo a bordo do H.M.S. Beagle, um brigue inglês, durante a década de 1830. Sua passagem por Brasil, Terra do Fogo e principalmente por Galápagos, foi fundamental para as primeiras observações do então jovem Charles, com 22 anos de idade. Segundo ele mesmo, viagem “que determinou toda a minha
carreira”.

Mas, o que me levou a falar de Darwin está no prefácio do livro que reproduzo aqui: “foi em conseqüência de um desejo expresso pelo capitão Fitz Roy, de ter algum cientista a bordo, acompanhado de uma oferta da parte dele de desfrutar de suas próprias acomodações, que ofereci meus serviços… Permita-me, pois, que eu possa expressar toda minha gratidão ao Capitão Fitz Roy, porque a ele devo a oportunidade de ter podido estudar a história natural dos diferentes paises que visitamos”. Um pequeno ato, uma pequena e insignificante ação. Um convite que mudou a história da humanidade.

E nós, passados 150 anos da publicação da teoria do cientista inglês, agradecemos muito ao Capitão Fitz Roy e sua intrépida tripulação. Não fossem eles e talvez estaríamos nas trevas da doutrina de Adão e Eva ainda hoje pregada pelo cristianismo apostólico.

HISTÓRIA
A história é composta por pequenos atos, pequenos momentos de seres humanos que por vezes se tornam, a posteriori, desconhecidos. Marcam os gênios, ficam as grandes obras, os grandes pensadores. Esquecemos que a história de pessoas comuns se interligam com a de pessoas que à seu tempo farão a “História”. Aqui se cruzam Fitz e Charles. Sem Roy não teríamos a oportunidade de conhecer Darwin. Isso sem contarmos todos os outros pequenos atos cotidianos da vida de Darwin. Impossível saber quantos Fitz Roy’s houveram em sua longa existência.

Por vezes somos capazes de mudar a História com nossos atos. Mesmo que pareçam insignificantes hoje, como com certeza foi para o capitão do Beagle fazer um convite de passeio transoceânico ao jovem amigo. Mas como no exemplo de Darwin podemos estar oportunizando a alguém uma mudança, uma chance.  Às vezes essa chance pode mudar a sua vida, às vezes o mundo.

Mudar a história de alguém pode ser significativo, mas e se for possível mudar a história do mundo? E se pudermos dizer amanhã que construímos uma sociedade mais justa a partir de nossos pequenos atos realizados hoje?

CAPITALISMO
Nossa sociedade produziu um sistema socioeconômico conhecido como capitalismo que é profundamente opressor e alienante, algo como o “ópio do povo” de Marx. O “sistema” é capaz de produzir gerações que não conseguem viver sem a visão do capital. Desde a mais tenra idade a espécie humana é preparada para ser uma ave de rapina, um animal altamente competitivo, que visa somente um fim: a obtenção de lucro. O dinheiro e suas beneficies, o carro do ano, a casa na praia, a roupa de marca. O vizinho é visto como um concorrente, jamais com um igual.

Somos incapazes de observar os sinais que nossos ancestrais levaram séculos para desenvolver. A busca incessante pelo dinheiro e pelo poder dele decorrente arrasta milhões a alienação. Alienação sobre as coisas mais básicas. Esquecemos que a condição humana de milhões beira a miséria mais terrível. Alienação sobre o que estamos fazendo com o planeta Terra. Esquecemos que a Terra é um organismo vivo e que fazemos parte dele. Esquecemos que o seu equilíbrio é a nossa própria existência. Somos incapazes de pensar no bem como um todo, e não apenas no Eu. Não conseguimos nos livrar do plástico, do viver sem a Nike ou a Coca-Cola.

Mudar a história? uma nova chance? Passa pelo ato, por menor que seja, de cada um de nós. De reciclarmos o lixo, de oportunizar melhores condições de estudo e saúde ao semelhante, de pensarmos mais no todo do que somente no próprio bolso, de sermos mais humanos e menos “robôs”. Nós somos o mundo, somos uma só sociedade e uma só espécie. E não seremos mais nada se não destruirmos logo esse “sistema”.

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