MPF exige que comunidade seja ouvida em projeto de mineração no RS

MPF exige que comunidade tradicional seja ouvida em projeto de mineração no RS. De acordo com o Ministério Público Federal a comunidade tradicional afetada por projeto de mineração no Pampa…
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Foto: Marcos Nagelstein/MTur Destinos

MPF exige que comunidade tradicional seja ouvida em projeto de mineração no RS.

De acordo com o Ministério Público Federal a comunidade tradicional afetada por projeto de mineração no Pampa gaúcho tem o direito de ser consultada e reconhecida formalmente.

É o que sustenta o Ministério Público Federal (MPF), que enviou parecer ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) defendendo a anulação de etapas do licenciamento ambiental do Projeto Fosfato Três Estradas, empreendimento minerador situado na região sul do Rio Grande do Sul.

A manifestação do MPF reforça que a demora do Estado em reconhecer povos e comunidades tradicionais não pode servir de pretexto para desconsiderar seus direitos fundamentais.

No centro da discussão está a aplicação da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que assegura a consulta livre, prévia e informada a povos indígenas e comunidades tradicionais sempre que medidas administrativas ou legislativas afetem diretamente suas formas de vida.

No caso em análise, o MPF enfatiza que pequenos agropecuaristas da região, que seriam diretamente atingidos pelo projeto de mineração, formam uma comunidade tradicional e, por isso, deveriam ter sido devidamente escutados antes da concessão da licença ambiental.

O Brasil é signatário da convenção da OIT, o que obriga a observância plena desses direitos.

O parecer também aponta falhas graves e recorrentes no processo de licenciamento ambiental conduzido pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (Fepam).

Já em 2021, o MPF havia recomendado à Fepam a anulação da licença prévia concedida ao empreendimento.

A medida foi baseada em inconsistências encontradas por laudos periciais elaborados pelo próprio órgão ministerial.

Esses documentos técnicos destacaram uma série de lacunas nos estudos de impacto ambiental, especialmente pela ausência de delimitação clara das áreas direta e indiretamente afetadas pelo projeto.

Também foram identificadas falhas nas informações sobre alternativas tecnológicas para o armazenamento e disposição dos rejeitos, bem como omissões em relação às alterações nas taxas de recarga de aquíferos, na vazão de base e na supressão de nascentes.

MPF exige que comunidade seja ouvida em projeto de mineração

O MPF alerta que o Projeto Fosfato Três Estradas envolve uma atividade considerada de alto potencial poluidor, o que exige ainda mais rigor nos critérios técnicos e jurídicos do licenciamento ambiental.

As deficiências nos estudos apresentados colocam em risco não apenas o meio ambiente, mas também a sobrevivência de populações locais que dependem diretamente dos recursos naturais da região para manter seus modos de vida.

Como a recomendação feita à Fepam não foi acatada, o MPF instaurou inquérito civil e, em 2022, ajuizou uma ação civil pública na Justiça Federal de Bagé.

Nessa ação, o órgão reiterou o pedido para que a comunidade tradicional de agropecuaristas fosse reconhecida e incluída formalmente no processo de licenciamento como parte interessada.

A Justiça Federal acolheu parcialmente o pedido do MPF, determinando apenas a realização de estudos complementares relacionados aos aspectos ambientais do projeto.

Contudo, rejeitou a tese de que os agropecuaristas da região formariam uma comunidade tradicional, alegando que esse reconhecimento caberia exclusivamente ao Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.

Esse colegiado é o responsável oficial pelo reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos das comunidades tradicionais no Brasil.

Diante desse desfecho parcial, o MPF recorreu ao TRF4 buscando a revisão da decisão e o reconhecimento imediato da condição de comunidade tradicional dos agropecuaristas impactados pelo projeto.

Além da anulação das etapas do licenciamento que desrespeitaram as exigências legais e constitucionais.

O caso segue em tramitação no TRF4 e é mais um exemplo dos desafios enfrentados pelas comunidades tradicionais na luta pelo reconhecimento e pela efetivação de seus direitos frente a empreendimentos de grande impacto ambiental e socioeconômico.

O debate também evidencia a importância de respeitar os marcos legais nacionais e internacionais voltados à proteção dessas populações, especialmente em contextos de vulnerabilidade diante de interesses econômicos e produtivos.

Parecer ao TRF4 – No parecer enviado à 3ª Turma do TRF4, que julgará o recurso do caso, o procurador regional da República Vitor Hugo Gomes da Cunha afirmou que o autorreconhecimento — ou seja, o entendimento do próprio grupo de que é diferente dos demais — é o principal critério para definir se uma comunidade é tradicional.

Por isso, a Convenção 169 da OIT e os Decretos nº 6.040/2007 e nº 8.750/2016 não exigem reconhecimento oficial do Estado.

O MPF lembrou ainda que, mesmo que a sentença diga não existirem “aspectos que demonstrem uma relação com a propriedade que desborde dos limites estritos da exploração individual do patrimônio”, já há decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em caso parecido.

Ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5783, a Corte considerou inconstitucional uma lei da Bahia que impunha prazo final para as comunidades de fundo de pasto pedirem a regularização de seus territórios, reconhecendo-as como povo tradicional.

Segundo o parecer do MPF, “o comprometimento da vida no território por ameaças externas (como a mineração) leva ao adoecimento dessas comunidades e coloca em risco a continuação da reprodução desse modo de saber, fazer e viver, colocando em risco (…) também o patrimônio cultural imaterial da lida campeira”.

O procurador ainda registra que outras instâncias do governo do Rio Grande do Sul já reconheceram os agropecuaristas familiares de Três Estradas como comunidade tradicional: a Secretaria de Meio Ambiente, por meio de nota técnica, e o Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado.

Isso reforça que os agropecuaristas deveriam ser previamente ouvidos, como as normas estipulam, já que poderão ser atingidos pelas consequências ambientais decorrentes da instalação minerária.

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Ainda não há data definida para o julgamento.

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