Eu sou hors concours
E, nada mais do que justo, haveríamos de curtir adoidados a pecúnia que os “veios” nos presentearam na noite da formatura. Fomos pra “Bobolândia”, onde, hoje, erguem-se as pirâmides da Feira do Livro (graças somente a Deus!!!).
As “minas” estavam lá, os hormônios à flor da pele. Claro que nós também estávamos com o tesão a mil. Mas os planos, para aquela noite, eram outros: descobrir se verdade ou lenda a tal história do “fantasma” da Lagoa dos Quadros.
A noite não poderia ser outra – lua cheia –, pois, segundo os tigueras, ele dava o ar da graça – ou da feiura, do medo, do assombro, sei lá! – nas noites de plenilúnio.
Plenilúnio… Cara, aonde fui arranjar esse tal de plenilúnio? Acho que deveria ser uma guarânia, sei lá, me digam!, que meu pai, nas noites em que chegava em casa emborrachado, pra fazer grau com a madrasta, cantava, bem me lembro, y en la noche hermosa de plenilunio de tu blanca mano senti el calor…
A caminhada seria longa, mais de horas. A lua, daquelas em que a gente vê até as sombras de suas crateras, ameaçava chocar-se contra o Morro da Borússia, nas lonjuras, atrás da BR. Tosko queria levar lanternas, o idiota. E eu disse a ele, Esquece as lanternas, o melhor de tudo está bem guardado, junto com o cachimbo, que o Jorge leva na guaiaca, cara!
As plácidas águas da Lagoa, o silente murmurejar de suas pequenas ondas nos aguapés, o cansaço da tremenda caminhada ensejava deitarmo-nos na areia, mirar as estrelas bailarinas e o engalanado e iridescente salão de baile lunar e esquecer o resto…
Não! Naquela noite veríamos o lendário fantasma da Lagoa. Aquele ente que, “seu” Pedro Rubi Prestes, certa vez me dissera, Menino, nas noites de verão, ele expulsa até boiada, cavalos e porcos pras areias do mar. Não! Naquela noite de plenilúnio saberíamos a verdade sobre o abominável fantasma da Lagoa. Sobretudo, se contávamos com o cachimbo e o “pacote” que Jorge trazia com os cuidados na guaiaca.
Sentamo-nos num tronco de umbuzeiro y en la noche hermosa de plenilunio Jorge apanhou o conteúdo do “pacote” e, com ele, encheu a pipa do cachimbo…
A fumaça desenhava irreconhecíveis figuras contra a claridade da lua. Aspirávamos, voluptuosamente, o adocicado sabor da erva que fenecia nas brasas da pipa. Aspirávamos….. aspirávamos, con frenesi…, como diziam os versos da guarânia do meu “veio”…
Tosko, num rompante, ergueu-se e, se enredando nos aguapés, se foi, Lagoa a dentro, gritando, O fantasma não existe… ele não existe! É uma sereia, vocês estão vendo? Linda, loira, e me chama…
O braseiro da pipa apagou-se. Não havia mais fumaça contrastando com o brilho da lua. Nunca mais soubemos de Tosko.
Isso faz quarenta anos!
* Um dos eventos da 4ª Feira do Livro de Capão da Canoa será o Primeiro Concurso Literário Pindorama, nos gêneros, conto, crônica e poesia. Como membro da Comissão Organizadora da Feira, ele está sob meus cuidados. Ao iniciar este conto, minha intenção era, sob outro nome, e a título de brincadeira com os jurados, inscrevê-lo no certame. Foi assim, num concurso (Revelação Literária – Apesul – Correio do Povo), que me tornei um apaixonado pela escrita. Por isso esta “cócega” do desafio. Venci a tentação e permaneço, tão somente, membro da Comissão Organizadora.