À espera por Paul

Nasci no século passado, o que não implica, necessariamente, ser, por natureza, um romântico, o que, em verdade, sou. Tenho saudades dos bondes de Porto Alegre, dos Bailes da Reitoria, das matinês dos domingos, dos cinemas Imperial, Guarani, Capitólio, Marabá; do Guraná Brahma, da Grapette, da batida de abacate e do pernil do Matheus; dos torneios de “futebol sete” na misteriosa cancha da Cúria Metropolitana, protegida pelas sombras da Catedral e do Palácio; do acampamento na praia de Itapuan. Não tenho nenhuma saudade das alienadas jovens tardes de domingo; tenho imensas saudades, sim de Ticket to Ride, Penny Lane, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, Yesterday, Let it be, Imagine, Hei Jude, de Paul e John. Tenho saudades de ti, Gilda, doce namorada de Santa Maria, paixão revelada nas linhas de tantas cartas, Please, Mr. Postman**.

As cartas… Enviar uma carta… Cumpria-se todo um ritual, antes mesmo da ida à única agência dos Correios, no centro da cidade: a escrivaninha, folhas de papel, a caneta, o envelope e selos eram fundamentais. Não se exigia muito pensar, eis que os sentimentos se atropelavam nas trinta, cinquenta linhas manuscritas. Havia sempre histórias a serem contadas.

Em razão das cartas que escrevi, jamais fora reprovado em química ou física, não me atrasara para o primeiro emprego ou para uma viagem de aventuras por me embrenhar naquele mundo mágico das palavras e das confidências das minhas paixões. Não considerei, jamais, como tempo perdido ao pedir notícias dos amigos distantes e em querer saber dos amores que tive.

Não fiz morada permanente no século XX, é claro! Peticiono, contesto, recorro, agravo, embargo valendo-me de modelos arquivados em meu computador. Sobra-me um universo de tempo e nele procuro saber dos meus bem-quereres pelo celular.

Compartilho em espírito do momento de dor de uma amiga por notícias suas que busco através do e-mail, perpetuo amizades antigas pelo MSN ou pelo Skipe, combino encontros para celebrarmos a vida pelo “torpedo”, sem me importar que, em contrapartida, no tempo que sobrou e que eu poderia trabalhar mais, algum concorrente conquiste clientes que eu deixei de buscar.

“Oi, como vocês estão? Por aqui, tudo bem, o coração bate ritmicamente, ainda que apertado de saudades. Mandem notícias. Comprei um convite a mais para o show do Paul. É um presente que te dou”.
Viram? Não se perde um minuto para se dizer aos afetos de que sempre nos lembramos deles and I need you**…

*Hey Jude – John Lennon e Paul M McCartney

**Please, Mr. Postman (Por favor, Sr. carteiro) – Georgia Dobbins/ William Garrett/Brian Holland/Robert Bateman/Freddie Gorman.

*** I need you (Eu preciso de você) – John Lennon e Paul M McCartney.