O cigarro do vizinho
Observo a rua calma na manhã de início de inverno. De repente, minha atenção é atraída pela tosse seca e repetida do meu vizinho, que mora no prédio em frente. Sentando na sacada, com uma xícara de café, entre um gole e a tosse constante, fuma descomedidamente um cigarro após o outro
Eu e meu vizinho nunca trocamos cumprimentamos. Por algumas vezes, quando houve a coincidência de nos cruzarmos na rua, embora tivesse a intenção de cumprimentá-lo, ele de propósito se virou, dando as costas, demonstrando ser avesso à cortesia.
Suponho que seja aviador, pois já o vi saindo ou chegando com uniforme azul-marinho, quepe, ostentando no peito um distintivo da aviação civil e carregando pela mão uma maleta. Deve ser insuportável – tenho certeza – voar durante horas a fio sem dar uma pitadinha, a menos que, na condição de comandante, dissimulado, com a cumplicidade do co-piloto, na cabine de comando, dê boas baforadas.
Sou ex-fumante e confesso sem pudor que, das coisas singelas, fumar é um dos bons prazeres da vida. Ah, o primeiro cigarro do dia, depois do café, ou na roda de chope com os amigos, ou assistindo uma partida de futebol! E nas horas de solidão, sorvendo um Delamain Le Voyage, à meia-luz e ao som de Liszt, lembrando a amada que nunca me quis, a longa tragada possui o milagre de aplacar a dor de amor.
Por isso, sei como é difícil deixar o tabaco e, com enternecimento, compreendo e tolero o fumante; acho mesmo que ele não merece ser tratado como um ser desprezível, especialmente quando se compra em qualquer armazém de esquina um maço de cigarros.
Mas no fundo, torço para que o meu vizinho mal-educado deixe o vício, livre-se da tosse, e que o conselho quintaneano não o iniba: “Desconfia dos que não fumam: esses não têm vida interior, não têm sentimentos. O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar… ”.