Ritos de passagem

“Até aos quarenta anos o homem permanece louco; quando então começa a reconhecer a sua loucura, a vida já passou…. “
Martinho Lutero.

Ritos de passagem são celebrações que marcam mudanças de status de uma pessoa no seio de sua comunidade. Os ritos de passagem são realizados de diversas formas, dependendo da situação celebrada; desde rituais místicos ou religiosos até assinatura de papéis. Nos tempos atuais, muitos desses ritos subsistiram embora alguns esvaziados do seu conteúdo simbólico. Batismo e festas de aniversário de 15 anos, por exemplo, são resquícios desse tipo de cerimônia, que hoje representam muito mais um compromisso social do que a marcação do início de uma nova fase na vida do indivíduo. Para os homens, os 40 anos não perdem o referencial.

Quando pré-adolescente, Angelo, meu filho, me aguardava todas as quartas-feiras para jantarmos fora. Numa daquelas ocasiões – faltando pouco mais de um mês para completar meus 40 anos – saí mais cedo do trabalho. A noite prometia ser cálida e estrelada. Decidi ir a pé, seguindo pela Avenida Borges de Medeiros, do centro em direção ao Cinema Capitólio e Praça Daltro Filho. Ali, dobrei à esquerda e entrei na Rua José do Patrocínio, aonde eu vivera dos 5 aos 20 anos.

Ao ingressar na “JP”, à medida que avançava “exigia” (de Quem?) encontrar meus antigos amigos de infância e adolescência, tais como se pareciam àquela época. Meu caminhar assemelhava-se ao de umandróide.

De repente “voltei à realidade”, ante o chamado, “Ô, guri, que tá fazendo por aqui?” Era “seu” Eusébio, zelador de três prédios do quarteirão e, dentre estes, do que eu morara. Cumprimentei-o e perguntei, quem ocupava o apartamento 6. Pedi que ele me apresentasse às locatárias. Uma delas, jovem, ainda, abriu a porta e o velho zelador informou-lhe quem eu era. Pedi, então, para ver o apartamento. Ela me abriu a porta e pude percorrer, sem pressa alguma, todas as peças daquele que fora o meu porto seguro na infância.

Finda a peregrinação, agradeci e, resoluto, retomei a caminhada, seguindo pela José do Patrocínio, em direção à Rua da República, sem mais voltar a cabeça para trás.

Enquanto isso, Angelo me esperava para o jantar.