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De Jung, Machado de Assis e personas

À noite, pouco antes de dormir, alguma vez, meu generoso leitor, já se deparou em contabilizar quantas personas você “viveu” naquele dia?

No conto “O espelho”, Machado de Assis, descreve uma personagem identificada com a persona. Trata-se de um alferes (antigo posto militar) que se orgulhava de sua farda. Quando saia de férias, ia para a fazenda e trocava a farda por um pijama. Aos poucos notava que sua imagem no espelho estava desaparecendo, e acabava sumindo. Ele ficou desesperado e vestiu a farda novamente, e ao se olhar no espelho, lá estava sua imagem novamente.

“- Lembrou-me vestir a farda de alferes. Vesti-a, aprontei-me de todo; e, como estava defronte do espelho, levantei os olhos, e…não lhes digo nada; o vidro reproduziu então a figura integral; nenhuma linha de menos, nenhum contorno diverso; era eu mesmo, o alferes, que achava, enfim, a alma exterior.”

“Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria e o vidro exprimia tudo. Não era mais um autômato, era um ente animado. Daí em diante, fui outro. Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo, olhando, meditando…”

Persona é uma palavra de origem latina, nome de uma máscara usada pelos atores na antiguidade.

Karl Jung usou este termo para mostrar a maneira como uma pessoa adapta-se ao mundo; é sua máscara, sua maneira de ser socialmente. Essa máscara é necessária para nos adaptarmos à vida e sobrevivermos em sociedade.

A criança já na infância tenta se comportar para receber aprovação de suas atitudes. Enquanto cresce, pais e professores na escola vão transmitindo seus valores. Assim aos poucos se desenvolve essa persona, que estará presente na profissão e nos papéis da vida. Mas com isso podemos nos esquecer de nosso “ego”, nosso verdadeiro eu. Quando alguém se identifica somente com a persona e esquece-se do ego, tende a ficar frio e vazio, como no caso brilhantemente descrito por Machado de Assis no conto “O espelho”.

Isso acontece quando se confunde a individualidade com um papel social. A pessoa se identifica somente com a persona e se esquece de seu verdadeiro eu. Ao incorporar essa máscara a pessoa se sente forte e poderosa, mas não se humaniza, é rígida.

Enfim, essa máscara é apenas um papel que pode ser o de professor, médico, filho, artista, enfim, o de político brasileiro, detentor de 1001diferentes personas…
Não ter persona é tão negativo quanto tê-la em excesso. Ela é necessária para nos relacionarmos com uma certa civilidade. Ninguém fala tudo o que sente, há um limite, um respeito com o próximo, mas que não nos faça esquecer quem somos verdadeiramente.

Daí porque, ludicamente, se diz que “o ego é solúvel ao álcool”. Exemplo? Ei-lo:

Um homem em avançado nível de embriaguez ofende, em alto e bom som, a mãe do vizinho de mesa de bar e “espalha” os eventuais “podres” do referido companheira de libações.  Indignado, o ofendido se ergue e intenta partir para as vias de fatos. A turma do “deixa disso” logo acode e diz: “Ele nem sabe o que está falando, você não vê que ele está bêbado?”.

Pois é aí é que se revela todo o lado verdadeiro do homem embriagado! Talvez por isso a maioria dos políticos só se embriaga nos “porões” de suas masmorras.

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