A inteireza da vida – Jorge Vignoli

A INTEIREZA DA VIDA

VITO –

Na quarta-feira que passou a tua rua amanheceu com um ar de tristura, como se não entendesse o que acontecia, ressentida que estava da falta dos teus passos remansosos rumo à banca de jornal ou à agência bancária.

O morador de rua, teu amigo, desapareceu, quem sabe à procura – em vão – daquele que, todos os dias, sempre lhe alcançava um tocado para a comida ou um trago. E até hoje, pelo que eu sei, nenhum vizinho ousou sentar no banco, na frente do prédio, teu lugar preferido que nos dias de sol ficavas a ler o jornal e a distrair-se com os passantes.

A tua casa até agora está do mesmo jeito, com a poltrona na frente da televisão, onde tu assistias as notícias daqui e da RAI, a Fórmula 1 e o futebol. Os jornais e as revistas continuam intocados, e até o teu título de eleitor, bem à mão, permanece junto ao abajur.

Agora, nas manhãs de domingo, o Roberto não poderá mais ir com as crianças privar da tua companhia nos passeio até a Redenção. E nós não ouviremos mais as histórias da tua chegada ao Brasil, depois da Guerra, e o teu longo caminho percorrido de Bari, no sul da Itália, até o Brasil a bordo de um navio do Lloyd Brasileiro, além da Maria Fumaça, velha e barulhenta, que durante três dias te trouxe de Santos a Porto Alegre.

O teu denodo em enfrentar um país desconhecido, e dominar, fluente, o português (quantos idiomas mesmo tu falavas, três, quatro?) e, degrau por degrau, ascender. Não foi fácil na tua caminhada transpor as barreiras, todas vencidas pela obstinação, mas sem nunca – por mais esquivo que foste – abrir mão da generosidade para com os teus e o semelhante.

Pois desde quarta-feira, aqui em casa, um vazio que tomou conta de nós. Eu sei que esse sentimento, aos poucos, vai se abrandando até ficar a inapagável lembrança de ti, Vito D’Alessandro.

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