A moralidade da corrupção - Por Jayme José de Oliveira - Litoralmania ®
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A moralidade da corrupção – Por Jayme José de Oliveira

Jayme José de OliveiraNo capítulo X de “Cândido, ou o Otimismo”, romance filosófico escrito por Voltaire a bordo do navio que o conduzia ao Paraguai, o personagem título, relembrando o filósofo Pangloss, dizia aos seus companheiros de viagem: “Vamos para um outro universo. É lá sem dúvida que tudo está bem, pois cumpre confessar que em nosso mundo não faltava o que chorar quanto ao lado físico e moral das coisas”.

Plagiando Voltaire, atrevo-me a dizer que em nosso país não falta o que chorar quanto ao lado físico moral das coisas, principalmente da política. Há ainda outras coincidências entre essa obra de Voltaire e o ambiente político e o descompasso social, há séculos, vigorantes no Brasil. Observem como se comportam os políticos e a sociedade brasileira. No fundo, há uma relação de promiscuidade entre ambos; a única lei que, no paradoxo brasileiro, é levada ao pé da letra é a lei (não escrita) de Gérson: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também”. (Luiz Antônio Flot)

Auditoria do tribunal identifica 578 mil beneficiários irregulares no programa do INCRA e manda paralisar imediatamente o programa de reforma agrária em todo o país.

São dezenas de problemas identificados pela Corte, entre os quais a relação de 1.017 políticos (847 vereadores, 96 deputados estaduais, 69 vice-prefeitos, 4 prefeitos e 1 senador) que, criminosamente, receberam lotes do programa. Há 1.151 que já tinham falecido cadastrados como beneficiários.  A auditoria revela centenas de casos bizarros, como a concessão para pessoas de alto poder aquisitivo, donas de veículos de luxo como Porsche, Land Rover ou Volvo.

As irregularidades atingem 30% da base, de 1,5 milhão de famílias. Em 11 mil casos, o cônjuge de uma pessoa beneficiada é novamente atendido por uma segunda moradia. A precariedade é tanta que há pessoas com um ou dois anos de idade que receberam imóveis. Milhares de beneficiários têm cargos públicos, o que é proibido por lei. Foram encontrados ainda 61 mil empresários contemplados.

O ministro relator do processo, Augusto Shermann, relembrou que o INCRA têm descumprido há anos determinações feitas pelo tribunal. É um processo que está sendo feito totalmente à margem da lei. (Zero Hora, 07/04/2.016)

A paralização dos assentamentos ocorre num momento político delicado, exatamente quando o Palácio do Planalto busca apoio para a presidente em movimentos sociais como a CONTAG e o MST. Espera-se que o governo não trate do assunto como mais uma conspiração política e aja imediatamente no sentido de corrigir esse esquema fraudulento. (Zero Hora, 08/04/2.016)

O recrudescimento do clima de hostilidades está num crescendo insopitável e ambas as partes se esmeram em jogar combustível na fogueira de vaidades, ressentimentos, ódio, intolerância. Partidários da tese do impeachment chegaram ao absurdo de pichar as residências da presidente e dum juiz do STF. Em contrapartida, defensores da manutenção do mandato de Dilma Rousseff revidam, inclusive ameaçando com invasões de gabinetes e propriedades, não descartando providências ainda mais violentas.

Numa cerimônia no Palácio do Planalto para a regularização de terras dos quilombolas e para a reforma agrária, com a presença da presidente Dilma Roussseff, o secretário da CONTAG, Aristides dos Santos defendeu a violência e a invasão de terras.

“A forma de enfrentar a bancada da bala contra o golpe é ocupar as propriedades deles ainda lá nas bases, lá no campo. É a CONTAG, os movimentos sociais do campo que vão fazer isso. Ontem dizíamos na passeata, vamos ocupar os gabinetes, mas também as fazendas deles porque se eles são capazes de incomodar o ministro do STF, nós vamos incomodar também as casas, as fazendas e as propriedades deles”.

No fim da cerimônia a presidente Dilma Rousseff disse que é preciso resistir sem recorrer à violência ao que chamou de tendências antidemocráticas.

https://www.youtube.com/watch?v=OnoktolEWfQ

Somente reconhecendo a essência da nossa natureza é que conseguimos encontrar caminhos civilizatórios mais dignos e possíveis. A constatação que salta aos olhos é observância, pelos oportunistas, de que os “mais iguais” (George Orwell – A Revolução dos Bichos) são os que “se dão bem na vida” e devem ser imitados. Uma consequência é a difusão, até mesmo entre pessoas de alto nível intelectual, de que combater a corrupção é não apenas inútil como contraproducente: a corrupção, como a lendária Hidra de Lerna, quando tem uma das cabeças cortadas, surgem duas para substituir. A professora Celi Pinto – cientista política e professora de história da UFRGS (Zero Hora, 24/01/2.016) afirmou: “Reduzir a corrupção do PT seria um formidável salvo-conduto para ela continuar a não importar”.

Otimista por natureza, apesar do clima adverso que insiste em nos impingir o desencanto, prefiro apoiar o pensamento do advogado Sebastião Ventura Pereira da Paixão (Zero Hora, 22/01/2.016):  “As pessoas decentes usam a moralidade como uma adequação dos meios aos fins: se querem ser bem-sucedidos, usam o trabalho honesto e dedicado a tal finalidade; se querem respeito público, procuram agir com retidão, hombridade e responsabilidade social”.

Os corruptos e corruptores que infestam a política brasileira são produtos duma sociedade apática que gosta muito de falar de moralidade, mas que não se preocupa em traçar uma vida moral a todos: a maioria de bem é dispersa, desunida, acomodada e não deixa de aproveitar “oportunidades”, quando elas surgem. Rendo minhas sinceras homenagens aos que se mantém imunes às tentações do dia-a-dia: furar uma fila; excesso de velocidade numa estrada deserta e sem pardal; apelar para que um conhecido com acessibilidade nos facilite trâmites burocráticos; etc.

A doentia moralidade da corrupção é roubar e seguir roubando.

Só há um jeito de mudar: uma nova, enérgica e eficaz atitude cívica.

Vem ou vai ficar na poltrona?

AI QUE SAUDADE...

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado

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