A Trilogia da Longevidade – Carlos F. Jungblut
II-Vidas Perdidas
Desde pequeno aprendemos que a vida é um ciclo, início, meio e fim. Quando assisti pela primeira vez ao “Rei Leão” com meus filhos (cuidado, Spoiler!!) fiquei chocado com a morte de “Mufasa” – o pai do protagonista. Como podem causar esse trauma nas crianças? Assim é a vida… várias historias e lendas nos ensinam a lidar com as perdas, e com a maturidade a vida em si assume o papel de professora.
Embora a tristeza nos momentos de perda, nada se compara a finais extemporâneos. Quem já teve a infeliz oportunidade de presenciar o velório de um adolescente entende bem o que digo. Mesmo em ambientes preparados, como no hospital de trauma onde trabalho, estes episódios geram consternação. Profissionais de saúde criam uma “couraça” emocional, mas sofrem com a família, se colocam no lugar dos mesmos e, não raramente, são flagrados chorando em algum esconderijo qualquer.
Triste, não? Então preciso de ajuda para entender por que nós – enquanto sociedade organizada- permitimos que isto seja tão frequente.
As últimas estatísticas disponíveis no site do DATASUS referente ao Rio Grande do Sul apontam que a primeira causa de morte em pessoas entre 1 e 40 anos de vida são as chamadas “causas externas”. Esta nomenclatura se refere a causas como acidentes de trânsito, agressões, afogamentos, lesões autoprovocadas … enfim, vários tipos de mortes violentas. Obviamente, em grupo etário tão heterogêneo, fica difícil determinar um padrão. Onde quero chegar então? O que podemos fazer com estes números?
De todas as tragédias, a que mais machuca é aquela que poderia ter sido evitada. Nisso precisamos trabalhar.
Para as crianças menores, sem dúvida estimular cuidados com piscinas e rios faria muita diferença, assim como orientações sobre transporte com segurança e uso de cadeirinha / assento de elevação bem posicionados. Duas das principais causas de mortalidade entre 1 e 5 anos de vida.
Se para os idosos as quedas estão entre as principais causas de complicações, para os pacientes adulto-jovens o que mais mais chama a atenção é a quantidade de casos relacionados a agressões e a acidentes de trânsito. Para se ter uma idéia, somente no ano de 2016, em jovens entre 20 e 30 anos de idade, foram registrados 1.097 óbitos decorrentes de agressão e 340 decorrentes de acidentes de trânsito no Rio Grande do Sul. Se considerarmos todas as idades, tivemos 3.188 óbitos decorrentes de agressão e 1.821 de acidentes de trânsito.
Os números são alarmantes. No momento em que a política nacional e estadual toma novos rumos, é imperioso que tenhamos pessoas com capacitação técnica para cuidar do assunto.
É preciso dar um basta!
Para o trânsito, precisamos de estradas melhores, regras claras e punição para os infratores. O desrespeito a motociclistas, ciclistas e pedestres precisa ser coibido, assim como estes devem também ser punidos quando não seguirem o código de trânsito. Transporte público valorizado, com preços justos e conforto, e reforço para a educação de trânsito nas escolas.
Para a segurança o desafio parece ainda maior. Como modificar tantos fatores como tráfico de drogas, roubo de carros e venda de armas ilegais? Corrupção? Como confrontar a violência doméstica?
Talvez para resolvermos estes problemas a solução seja nos civilizarmos. Mas até que isso aconteça, precisamos investir muito em combate a corrupção, educação básica e uma política pública acertiva. Precisamos valorizar quem contribui com a sociedade e transmitir a sensação de que fazendo o bem seremos mais felizes. Não há espaço nessa sociedade para mais vidas perdidas.
Carlos F. Jungblut
Médico Ortopedista
Mestre em Cirurgia pela UFRGS
Atual Presidente da Sociedade Gaúcha de Ortopedia e Traumatologia (SBOTRS)