AI-5 – Jorge Vignoli
Dentro da crescente espiral de violência que o país vivia, em dezembro de 1968, o presidente Costa e Silva decretou o AI-5, o mais violento de todos os atos institucionais até então outorgados.
Previa, entre outras coisas, o fechamento do legislativo pelo presidente da República, que, no período de recesso, poderia legislar em seu lugar, a supressão dos direitos e garantias constitucionais, incluindo o habeas-corpus, a intervenção federal em estados e municípios e a possibilidade de o presidente decretar o estado de sítio sem autorização do Congresso.
Enquanto os demais atos institucionais foram redigidos prevendo-se um prazo de validade, o AI-5 tinha um caráter permanente.
Coube ao Ministro da Justiça, Gama e Silva, preparar aquele doloroso texto. Ao tomar conhecimento do conteúdo do que seria “institucionalizado”, o vice-presidente Pedro Aleixo foi o único a não por a sua assinatura no que seria a implantação do período mais cruel da ditadura no Brasil.
Gama e Silva, então, indagou a Pedro Aleixo se esse não confiava nas mãos limpas do presidente Costa e Silva. A resposta de Pedro Aleixo foi a de que, nas honestas mãos do presidente, sim, confiava, mas não acreditava nas mãos do guarda da esquina. A negativa de ser signatário do AI-5, no ano seguinte, quando adoeceu o general Costa e Silva, custou, em grande parte, a Pedro Aleixo, ocupar a Presidência da República.
O AI-5 foi um manto negro que, por anos, cobriu o país, obscureceu mentes, perverteu intelectos e, sobretudo, estimulou o ódio.
Lancinante foi a luta para que o país superasse esse período. Boris Fausto diz – e com razão – que um dos muitos aspectos trágicos do AI-5 consistiu no fato de que reforçou a tese dos grupos de luta armada. O regime parecia incapaz de ceder a pressões sociais e se reformar. Pelo contrário, seguia cada vez mais o curso de uma ditadura brutal.
Há poucos dias o filho do presidente – o deputado federal –, que sabe fritar hambúrguer, mas não conhece a história recente do Brasil, ameaçou que, se a esquerda radicalizar, a resposta pode vir na forma de um novo AI-5. E a sandice foi repetida pelo Ministro da Economia – que talvez só conheça a história chilena da era Pinochet – a dizer que não se assustem se alguém pedir o AI-5.
Logo depois, ambos buscaram amenizar, falando que havia um mal entendido. Era tarde. A força do inconsciente tinha aflorado, e a obtusidade da inteligência posta à luz para a sociedade.
E não adianta, pois na semana que vem haverá alguém do governo a bramir novos despropósitos, a ver comunista encostado em cada poste, prontos para tomar o Brasil e transformá-lo em uma nova Coréia do Norte, em perene distúrbio de julgamento devido à alteração completa da consciência da realidade e que, em face de um raciocínio correto, não se modifica, ou pouco se modifica, típico da psicopatia.