Colunistas

Alef e a cândida esfera

O sol declinava no horizonte e deitava-se sobre as florestas a oeste de Savati que se iluminavam com os seus últimos raios. Pouco a pouco as sombras se apossavam das ruelas, do casario e dos choupos que ornam a entrada do bosque de Jetavana. Alef avistou, naquele instante, a primeira e solitária estrela. Ela parecia apontar-lhe a direção do leste.

Não muito longe, um ancião iniciava o desmonte do seu tabuleiro de frutas. Alef caminhou ao seu encontro, escolheu uma tâmara e a levou prazerosamente à boca. Tornou, extasiado, a mirar a estrela:

– Como brilha aquela estrela!

– Qual? – perguntou o vendedor de frutas, sem interromper na arrumação.

– Ali, acima daquele muro.

De onde se encontrava era impossível ao velho distinguir a estrela. No entanto, foi com firmeza que ele respondeu:
– É naquela direção o seu caminho, moço! Calcutá!

– Calcutá? – esse era um surpreso Alef, – Por que Calcutá?

Amarrando as partes do tabuleiro às costas, após guardar as frutas num imenso bornal, o homem fixando o olhar sobre Alef vaticinou:

– É no Oriente que tudo se inicia.

Ante a estupefação de Alef, o velho pôs-se em calma retirada.

– O que está querendo me dizer – tornou Alef.

– Nunca faça perguntas, meu jovem. Fique atento aos Sinais e procure entendê-los. Eles dirão o quê fazer, como o está dizendo aquela estrela. Vá, primeiro, a Bombaim. Apanhe o navio que parte à meia-noite rumo a Calcutá.

– E depois…

– Busca o conhecimento… Vá às Grutas de Elefanta e aprecie a imagem colossal com as três cabeças que representam Brama, o Criador, Vishnu, o Conservador, e Siva, o Destruidor: as três manifestações da Realidade Final.

– Eu não as saberei entender – justificou-se Alef.

– Não me surpreende – o ancião sorria com benevolência. – O Deus que pode ser compreendido não é Deus. Quem poderá explicar, por palavras, o Infinito? Atenta para o sinal – resumiu – um cândido sinal. – Unindo as palmas das mãos e com uma leve inclinação de cabeça, desapareceu na primeira ruela à esquerda.

Na madrugada que antecedeu ao desembarque em Calcutá, Alef não conseguiu conciliar o sono, tamanho o peso da angústia que lhe trespassava a alma. Perguntava-se o que, de fato, o levou àquelas terras longínquas e tão cheias de mistérios? A cabine do navio em que se alojara parecia uma escura cova sem ar. Ergueu-se do acanhado leito e, descalço, buscou o frescor do tombadilho. Da amurada, regurgitou todas as suas interrogações, todos os seus medos.

Num átimo, o céu, as águas e o próprio são banhados por uma cálida luminosidade. A Natureza, apiedando-se do solitário viajante, o acolheu enternecidamente, presenteando-o com o seu primeiro Sinal. Sobre a linha do horizonte, o sol despontava sobre o Oceano Índico.

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