Ao entardecer… – Sergio Agra
SERGIO AGRA – Intelectual não vai a praia. Intelectual bebe.
Ao entardecer…
Fui abraçá-la naquele domingo. O dia estava lindíssimo. Não era só um domingo cristão; era um imenso domingo universal, aquele domingo era também o seu Dia. Seu olhar mostrava-se distante, sem se aperceber da minha presença, bem à sua frente. Abracei-a e ternamente beijei as suas esquálidas faces que, apesar do tempo, pouca ou quase nenhuma ruga traziam. Sentei ao seu lado e procurei suas mãos que teimavam em permanecer crispadas, como se negassem o contato, o afeto. Eu sabia, no entanto, o porquê desta impossibilidade. Como sempre, a primeira e única palavra que ela pronunciou fora “Theo”… Depois, permitiu-se enovelar nos longos fios das longínquas memórias.
…ao entardecer o silêncio e a luz esmaecida do sol outonal compõem o pano de fundo das remembranças em que os as conquistas e as perdas se confundem nos tentáculos das infindáveis sombras sobre tudo o que foi e nos parece não ter sido resultantes de nossas próprias escolhas como se despertássemos àquela hora do dia agônico após um longo sono impreciso em sua duração o suficiente para que a Compreensão pudesse absorver o estancamento daquele transcurso de Tempo de Horas e Dias e Meses e Anos agora congelados em sua essência mas quem sabe encontrasse ainda sua Razão de ser mesmo que o indecifrável e hibernal Sono tenha deixado no Corpo-Alma não há distinção o desconforto de quem se acomodou em posição incômoda é até curioso e agora se faz indispensável o desconforto como se sem ele não houvesse a possibilidade de se encontrar o fundamental equilíbrio para se dar o passo seguinte definitivo inquestionável irrecorrível num torvelinho de sonhos paixões risos prantos encontros desencontros perdas ganhos idas e vindas até quando ninguém sabe e que resultou a Rosa Vermelha sobre pedras no Deserto da própria Memória…
Ela abriu mansamente os seus olhos. Nas retinas de minha mãe distingui, ao entardecer, a minha própria imagem…