Astronauta brasileiro vai para a reserva
O afastamento da carreira militar foi comunicado ao comandante da Aeronáutica, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, numa reunião na semana passada. A decisão caiu como um balde de água fria entre os defensores da viagem de Pontes ao espaço, principalmente a Agência Espacial Brasileira (AEB) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Todos imaginavam que, depois da missão que custou US$ 10 milhões ao País, o astronauta atuaria como garoto propaganda do programa espacial e em favor da divulgação científica.
Uma das especulações é de que Pontes, com o afastamento, passará a prestar serviços para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade não confirma a informação. Numa entrevista no site do Ministério da Defesa, Pontes diz que pretende “trabalhar pelo Brasil num sentido de juventude” e que espera a colaboração “da indústria nacional e do governo.”
Em seu site – no qual não faltam informações para a contratação de palestras – o astronauta afirma estar disposto a criar um instituto destinado a incentivar a educação para crianças de baixa renda. No texto ele reforça sua esperança em contar com o apoio da Força Aérea e do Senai para o projeto.
A decisão de Pontes frustrou os planos divulgados pelo presidente da AEB, Sérgio Gaudenzi. No retorno do astronauta ao Brasil, ele afirmara ao Estado que Pontes teria carta branca para decidir qual seria seu destino na agência. Ele foi convidado, por exemplo, a participar de uma viagem que a AEB faria para os Estados Unidos, para discutir a parceria do Brasil com a Nasa. Outra possibilidade seria a de Pontes trabalhar na formação de novos astronautas.
Agora, com sua saída da carreira militar, qualquer participação na AEB terá de ser negociada – e remunerada. O único vínculo que Pontes mantém com a AEB, no momento, é o compromisso de proferir – gratuitamente – palestras que já estavam agendadas.
Procurado ontem pelo Estado, Gaudenzi se limitou a dizer, por meio de sua assessoria de Comunicação, que Pontes “cumpriu sua missão com a Agência Espacial Brasileira, que era levar o Programa de Microgravidade ao espaço”. Outras informações, segundo ele, deveriam ser solicitadas à Aeronáutica.
Perplexidade – Dentro do MCT, a saída de Pontes causou perplexidade. Já corria a informação de que, num período não muito distante, ele deixaria a carreira militar. Mas ninguém imaginava que tal decisão seria tomada ainda na ressaca das comemorações da viagem à Estação Espacial Internacional.
O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti, que sempre criticou a missão do astronauta, reagiu com ironia ao afastamento de Pontes. “Agora ele deve vender bonequinhos”, disse. Em abril, denúncias de que o astronauta lucraria com a venda de lembranças com seu nome e com a realização de palestras – algo proibido pelo Código Militar – passaram a ser investigadas.
“Tudo foi publicidade, algo muito parecido com fogos de artifício, que explodem e logo acabam”, disse Candotti. Para a ciência, segundo ele, não haverá prejuízo. “A Aeronáutica é que pode perder um piloto, um operador.”
O Procurador-Geral do Ministério Público do Tribunal de Contas da União, Lucas Furtado, disse que a saída de Pontes, logo após o alto investimento feito pelo País em sua formação, não é ilegal. “Já em termos morais, é outra história”, disse.
Pela lei, servidores públicos ou funcionários que se afastam para fazer cursos têm o dever de permanecer um período no serviço público, tão logo retornem. “Se isso não é cumprido, é possível até mesmo fazer a cobrança do que foi investido no funcionário”, afirma Furtado. No caso de Pontes, no entanto, isso não se aplica. “Ele não estava afastado do serviço. A função dele era aquela.”