Até de bonde nós iremos! - Sergio Agra - Litoralmania ®
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Até de bonde nós iremos! – Sergio Agra

Até de bonde nós iremos! - Sergio AgraSERGIO AGRA – Intelectual não vai a praia. Intelectual bebe.

ATÉ DE BONDE NÓS IREMOS!

— O dia está lindíssimo. Não é só um domingo cristão, é um imenso domingo universal — dissera o Bruxo de Cosme Velho ao pé do ouvido do moleque de quatro anos que seguia seguro pelas mãos firmes do pai rumo ao abrigo do bonde Auxiliadora, na Praça XV. O destino, Estádio da Baixada. O ano era 1953.

O pai prometera o levar por vez primeira para torcer, não apenas para o vizinho de apartamento, o cearense Itamar Sampaio, mas pelo “team” que naquele ano de seu cinquentenário ganharia o terceiro e definitivo Hino, composto por seu não menos ilustre torcedor, Lupicínio Rodrigues, e que o Tempo ungiria o Clube homenageado na ode ao Olimpo como o Imortal Tricolor.

Na esquina da Rua Mostardeiro o elétrico fizera a última parada antes de dobrar à esquerda e prosseguir pela Florêncio Ygartua. Ali uma leva de senhores, alguns em terno e gravata, e jovens trajando roupas leves e desportivas desceram a íngreme lomba da continuidade da Mostardeiro— que os gaiatos do início dos anos 70 apelidaram de “O último suspiro das virgens”. À esquerda, ao fim do declive, situava-se o Jockey Club do Rio Grande do Sul, ponto de encontro da “rai soçaite”, em que, não raro, no tradicional Grande Prêmio Bento Gonçalves, transfigurava-se no palco do desfile de cavalheiros fidalgamente encartolados e de luzidias e “britanicamente” enchapeladas madamas e presumíveis vestais senhorinhas.

Voltemos, porém, ao Planeta Terra. À direita, numa construção de madeira, simples, mas de bom gosto, destinada para abrigar sócios e convidados, resplandecia o Estádio da Baixada, também conhecido como o Fortim da Baixada. Os não sócios se acomodavam ao redor do campo em cadeiras, entre as árvores ou nos barrancos.

O vizinho Itamar Sampaio e seus companheiros, dentre os quais Airton Ferreira da Silva, Ênio Rodrigues, Sergio Moacir e Tesourinha seriam condescendentes para com as desatenções do molequinho de quatro anos que preferira galgar os degraus das arquibancadas de madeira até o seu cimo e, através de pequenas aberturas, espiar as carreiras que se desenrolavam nas pistas do hipódromo. Afinal, era aquela a iniciação do futuro e fervoroso torcedor.

Foi ainda pelas mãos do pai que o menino viajara, ou no bonde Glória ou no Teresópolis até a Pedreira, para desembarcar na esquina da Avenida Carlos Barbosa com a Rua José de Alencar e se acomodar nas arquibancadas de cimento do Estádio Olímpico. A novidade era a recente contratação de um argentino que revolucionaria a indumentária dos goleiros com sua berrante camisa amarelo-gema: Germinaro.

Definitivamente, a paixão assaltara o guri de forma que, ainda hoje, ele nomeia aquele que fora o primeiro grupo de seu coração: Germinaro, Figueiró, Airton, Ortunho, Elton, Ênio Rodrigues, Marino, Gessy, Juarez Milton e Vieira. Era a tradicional formatação inglesa: dois, três, cinco.

Trinta anos mais tarde, o piá, feito homem e pai, levava seguro pela mão um curioso fedelho ao Olímpico Monumental. Ali, muitos foram os jogos que pai e filho torceram e vibraram até o último Gre-Nal, em dezembro de 2012, quando todos os que lá estiveram se despediram daquele Templo sagrado.

Muitas foram as lágrimas de dor e de alegria vertidas naquele amado Casarão que a descúria de uma construtora fraudulenta e a incompetência dos gestoresmunicipais permitiram transformasse em covil de desocupados e drogadictos. “Não há nada menos vazio do que um estádio vazio. Não há nada menos mudo do que as arquibancadas sem ninguém”. As palavras são do escritor uruguaio Eduardo Galeano.

Através do Rogério, combativo Editor deste Litoralmania e fraterno amigo do “homem”, a quem outorguei procuração para, junto a ele, Romildo Bolzan Júnior, solicitar não um busto, menos ainda uma estátua; um simples, mas especial convite ao camarote.

É mais do que chegado o momento, num dia lindíssimo, não apenas um domingo cristão, um imenso domingo universal, em que filho e neto hão de segurar-lhe as mãos e se transfigurarem os olhos do pai e avô que lhes há de dizer, ante a imponência e sacralização da Arena: — Me ajudem a olhar!

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