Brasil precisa ser mais audacioso no combate à fome, diz especialista
Apesar do planeta produzir alimentos suficientes para nutrir adequadamente a população, hoje existem aproximadamente 850 milhões de famintos no mundo, “o que requer um posicionamento mais audacioso das autoridades”. A afirmação é do diretor da Rede de Informação pelo Direito a se Alimentar, Írio Conti, que participou nesta quarta-feira (17) da audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos sobre segurança alimentar. O tema pertinente às ações do Dia Mundial da Alimentação, comemorado ontem, foi proposto pela deputada Marisa Formolo (PT).
Com relação ao Brasil, Conti disse que, nos últimos 20 anos, vem caindo o número de pobres e famintos, porém eles ainda são muito tímidos se comparados aos demais países da América Latina. “Comparados com a Argentina e o Chile, por exemplo, o Brasil ainda apresenta um índice bastante elevado de pobreza e de fome. Mesmo assim, é um dos países que está revertendo rapidamente a situação devido às iniciativas arrojadas nesta área”, destacou.
Estudos realizados pelo Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2006, 14 milhões de pessoas conviveram com a fome e outros 72 milhões sofreram algum tipo de insegurança alimentar. Ou seja, dois em cada cinco brasileiros não têm garantia de acesso à alimentação em quantidade, qualidade e regularidade. Segundo o diretor, essa situação tem rosto e posição geográfica, sobretudo no norte e no nordeste do país e nos lares administrados por mulheres do campo, indígenas e negras. “Essas características têm se mantido ao longo da história, apesar das políticas públicas já existentes, mas ainda é preciso outras para grupos específicos”, afirmou.
Irio Conti levantou, ainda, três fatores que podem estar relacionados à estagnação da pobreza e da fome: o poder econômico, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que concentra os recursos em grandes projetos de infra-estrutura, e o atual modelo agrícola, em especial no Rio Grande do Sul com a plantação de eucalipto, mamona e soja para produção de celulose e biodiesel. “Em relação aos combustíveis, temos um conflito entre 800 milhões de consumidores de automóveis e dois bilhões de famintos no mundo. Portanto, é cabível discutir o modelo de consumo que queremos adotar na perspectiva de uma segurança alimentar”, sentenciou.
A deputada Marisa Formolo (PT) reforçou a importância de se constituir no Estado ações integradas ao programa federal Fome Zero, que garantam alimentação, educação, programas de saúde e capacitação e inserção no campo de trabalho. Ela relatou o projeto que coordenou na Prefeitura de Caxias do Sul, onde integrava ações de segurança alimentar como a criação do programa Trabalho Dez, Fome Zero. “É tão básico e tão primário poder comer como direito. Parece secundário, mas é fundamental. Ter alimento é condição de saúde, de trabalho, de execuções de tarefa, de educação”, analisou.
Já o deputado Alceu Moreira (PMDB) disse que o Parlamento, “antes de ser uma frabriqueta de projetos muitas vezes desnecessários, deveria se transformar em um grande laboratório de formação de políticas públicas”. Moreira lamentou a ausência dos Coredes e universidades em debates relevantes como este, para apresentarem seus conhecimentos científicos e embasarem as discussões e iniciativas na Casa.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Marquinho Lang (DEM), afirmou que o órgão técnico está cumprido seu papel de trazer o debate à tona, com o objetivo de disseminar no Estado o direito constitucional dos cidadãos a alimentos seguros e nutritivos que a maioria desconhece.
Projeto
Desde a última terça-feira (16) tramita na Assembléia Legislativa o projeto de Lei 402/2007, que institui o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul (SISANS-RS). Conforme o diretor do departamento de Segurança Alimentar da Secretaria de Justiça e Desenvolvimento Social do Estado, Antônio Juarez Schlitchting, caberá ao governo gaúcho estabelecer definições, princípios e diretrizes, com a participação da própria sociedade, como forma de assegurar o direito humano à alimentação adequada.
Em sua justificativa, o Executivo reconhece que, “historicamente, o enfrentamento da questão da fome, da miséria e da desnutrição sempre foi tratada de forma pontual, emergencial e assistencial, mesmo quando abordada por políticas e programas públicos, que sempre se caracterizaram por sua marginalidade e fragmentação. No entanto, a modernidade exige que o tema da alimentação seja tratado de forma integral, abrangendo os direitos de todos os cidadãos, excluídos ou não. A questão da alimentação e nutrição, na perspectiva da Segurança Alimentar e dos Direitos Humanos, deve ser uma política articuladora de ações setoriais integradas em um eixo do desenvolvimento humano sustentável, envolvendo políticas econômicas e financeiras com as da área social”.
Também participaram da audiência o presidente do Conselho de Segurança Alimentar, Miguel Medeiros Montaña, e a representante do Conselho Estadual de Segurança Alimentar, Sheila Pereira.