Caleidoscópio/239 – Sergio Agra

Sergio Agra

CALEIDOSCÓPIO/239

Capítulo XXII Da Série As Crônicas de Aleph

No sábado primeiro do Novo Século Aleph reviu Porto Alegre. Não a Porto Alegre em que fora parido e criado. Tampouco a Porto Alegre onde marchara e distribuíra panfletos incitando a juventude, a galera que também fora a dele, a mocidade qye caminhou, cantou, seguiu a canção e lutou contra um regime verde-oliva autoritário, dominador e sanguinário — afinal, eram todos irmãos, abraçados ou não, eram todos iguais, nas escolas, nas ruas, nos campos e nas construções,…

Da irmã, de quem não mais tivera notícias, apenas soube que ela vendera a sua parte do espólio deixado pelos pais e rumara para Sydney, na Austrália, e lá se casara com um empresário no ramo de transportadora.

Aleph confundia os nomes das praças e das vias públicas. Há muito tempo elas deixaram de ser Rua Clara, Rua Formosa, Rua do Arvoredo, Rua da Margem, Rua Direita da Igreja, Rua da Praia do Arsenal.

Isso agora já não importava.

No saguão de mármore róseo do imponente prédio da Casa de Cultura, com estilo arquitetônico onde predominavam elementos neoclássicos, o irado cineasta Jorge F., após dispersar os curiosos coadjuvantes, transformou aquele espaço em lúgubre set de filmagem. F. dirigia o filme cuja trama narrava a história de um amanuense que fora mordido por seu próprio grampeador. Nas noites de plenilúnio o escrevente, munido de inusitada e gigantesca réplica daquele material de escritório, percorria as cercanias da Rua Pantaleão Telles espetando-o no pescoço das prostitutas.

Corrido que fora pelo tresloucado diretor de cinema, Aleph subiu a Rua Clara. Na platibanda da escadaria que liga aquela Alameda à Rua do Arvoredo, sob a intensa luz de uma Lua Cheia, ele vislumbrou dezenas de mulheres vestindo longas túnicas que lembravam as vestais dos templos dionisíacos. Lá embaixo, sob a clareira do pequeno bosque de azaléas, sete magas entoavam cânticos cabalísticos em torno de imenso caldeirão:

— “Quatro vezes por ano somos vistas, no retorno dos grandes Sabbats, no antigo Hallowen e em Beltane, ou dançando em Imbolc e Lammas. Dia e noite em tempos iguais vão estar, ou o Sol bem mais perto ou longe de nós. Quando, mais uma vez, Bruxas a festejar, Ostara, Mabon, Litha ou Yule saudar. Treze Luas de prata cada ano tem, e treze são os Covens também. Treze vezes dançar nos Esbaths com alegria, para saudar a cada precioso ano e dia”.

Da beirada do promontório, já na madrugada, Aleph avistou a bordo de pequenas embarcações os cem rebeldes que atravessaram o Rio Guaíba na altura do Porto das Pedras Brancas sem que a canhoneira imperial percebesse a manobra.

AJorge F. tudo documentava…

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