Carnaval – Jorge Vignoli
O carnaval de antigamente se caracteriza pelas composições cujo conteúdo expressava, muitas vezes, a crítica social, através das “marchinhas”. São várias, inúmeras, quase sempre de extremo bom gosto, a pegar na veia aquilo que os governantes têm de mais bizarro.
As “marchinhas”, é verdade, quase não existem mais, substituídas que foram pelo funk, axé e outras que não ouso mencionar. Os tempos mudaram, e se é obrigado a conviver com o novo, numa espécie de mimetismo, pois é pra frente que se caminha!
Mas não se retirou até hoje do carnaval o conteúdo da brincadeira, da espontaneidade, do álcool, das drogas e, também, da sensualidade, da lasciva. Não é à toa que o governo distribui, nessa época, a rodo, preservativos, porque está presente o conteúdo lúbrico na festa de Momo. E assim, que trate todo mundo de levar a vida no arame, como o velho na porta da Colombo.
Na animação do carnaval, muitos se expõem e chegam a explicitar cenas como aquela pinçada pelo presidente, que rodou pela internet, de dois jovens numa situação que foge, ao menos em público, de algo que deveria – sem pretender ser puritano – guardado no recato da alcova.
O presidente não gostou do que viu e compartilhou o vídeo com os seus seguidores na internet, que logo ecoou pelo Brasil e pelo mundo.
Ah, o presidente foi duramente criticado. Um jornal de São Paulo informou que nos comentários à publicação, críticos e até alguns que se identificam como apoiadores apagaram o vídeo, a lamentar a iniciativa de publicar material que não condiz com a “moral e os bons costumes”, pois sua excelência usa o Twitter para falar também com as crianças, o que chocou mais ainda a postagem.
Eu já vi em Ipanema, certa vez, o bloco “Simpatia é Quase Amor”, que todo ano desfila um sábado antes do carnaval. Foi uma sequência de comportamentos a fazer corar os jovens do vídeo que escandalizaram o presidente. No outro dia, a praia estava repleta, a Vieira Souto com o fluxo de pessoas e automóveis normais, e a vida seguindo o seu curso incontrolável.
Impossível que sua excelência, que mora por aqueles lados, não conheça a realidade do carnaval do Rio de Janeiro para ser pudico o bastante em buscar desqualificar a festa através de um vídeo pinçado entre milhares de pessoa.
Presidente não se amole, nem com as famílias, nem com o vídeo, nem com as críticas, que fazem parte do exercício do cargo. Outras críticas muito piores e mais verdadeiras haverão de vir. Agora, para aplacar um pouco a sua zanga, procure relaxar, pois quando se cai na rede mundial, daí é só sassaricando.