Caso Kiss: “se eu me abaixasse eu ia ser pisoteado e se ficasse em pé respirava a fumaça”, relatou vítima no quinto dia de julgamento
Três pessoas foram ouvidas neste domingo, 5 de dezembro, no julgamento dos quatro réus denunciados pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) por conta da tragédia na boate Kiss. Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios da Kiss, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, da banda Gurizada Fandangueira, respondem por 242 homicídios com dolo eventual e 636 tentativas de homicídios.
O primeiro a depor foi o engenheiro civil Thiago Mutti.
Ele responde por falsidade ideológica em um dos processos relacionados à Kiss por ter omitido que era sócio da boate.
Para o MP, ele era o real proprietário antes de a casa noturna pertencer a Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, embora seu nome não constasse no contrato social. Por este motivo, depôs como informante.
A promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari mostrou que Mutti disse, em depoimento anterior, que vendeu suas cotas da boate, o que contraria seu argumento dado em plenário de que não era sócio antes dos réus Elissandro e Mauro.
Em seguida, o promotor David Medina da Silva mostrou parecer do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea). O documento aponta que, se não houvesse alguns obstáculos na boate, o número de vítimas teria sido menor.
O promotor também mostrou o contrato de locação do imóvel em que funcionava a Kiss.
Quando a boate ainda pertencia à família do depoente, o fiador do aluguel era o pai de Elissandro, o que demonstraria proximidade entre eles. O depoimento foi encerrado depois de 5 horas.
Em seguida foi ouvido Delvani Brondani Rosso, testemunha da assistência de acusação. O depoimento, ainda conduzido pelo juiz Orlando Faccini Neto, fez alguns familiares de vítimas saírem pelo impacto causado. Rosso fez um relato detalhado do que ocorreu e dos seus sentimentos na luta para sair da boate e da dor intensa causada pelas queimaduras e inalação da fumaça.
Ele contou que, ao perceber a movimentação fora do comum no interior da casa noturna, traçou uma linha imaginária até a saída, mas após alguns minutos, quando o pânico tomou conta, já não conseguia mais manter a trajetória.
“Eu não sabia se eu me abaixava ou se ficava em pé. Se eu me abaixasse eu ia ser pisoteado e se ficasse em pé respirava a fumaça. Eu fui me despedindo da minha família, meus amigos, pedindo perdão por alguma coisa que eu tivesse feito”, disse o sobrevivente.
À promotora ele falou que não ouviu ninguém avisando que a boate estava pegando fogo. Também contou que o irmão, que o retirou arrastado da boate depois que ele estava desmaiado, teve que chutar a porta, inicialmente travada pelos seguranças, de acordo com seu relato.
Ao detalhar os dois meses de internação e o longo tratamento, falou, emocionado, de suas dificuldades e desafios. Tive que aprender a caminhar novamente. “Lembro que meu sonho era conseguir tomar um copo de água”. Após as perguntas do Ministério Público e da Assistência de Acusação, apenas uma das defesas inquiriu a testemunha e em seguida o depoimento foi encerrado.
Depois do intervalo da tarde, o julgamento retornou com a oitiva de Doralina Peres, funcionária da empresa terceirizada que fazia a segurança da boate Kiss.
Por acordo entre as partes, mesmo indicada por uma das defesas, por ser vítima, a acusação seria a primeira a encaminhar perguntas.
Sobre o exercício de sua função como segurança, questionada pelo MPRS acerca de orientações e treinamento, disse que nunca ouviu nenhuma orientação sobre como deveria se portar em caso de incêndio e que o responsável por tal orientação deveria ser o chefe. “A senhora ouviu isso de alguém ou é uma dedução?”, perguntou Medina. “É uma dedução, ninguém nunca falou isso comigo”, respondeu a depoente.
O quinto dia do júri terminou pouco depois das 19h30 deste domingo. A sessão será retomada às 9h desta segunda-feira, dia 6 de dezembro. Estão previstos três depoimentos dos 13 que ainda faltam: Stenio Rodrigues Fernandes, testemunha, e as vítimas Willian Renato Machado e Nathália Daronch, todas arroladas pela defesa de Elissandro Spohr.
MP RS