Caso Kiss: vítimas relembram noite da tragédia
Emanuel de Almeida Pastl e Jéssica Montardo Rosado estavam com os irmãos na Boate Kiss, na noite do incêndio.
Enquanto ele estava pela primeira vez no local, comemorando o aniversário com o irmão gêmeo, a jovem, que morava próximo da danceteria, costumava frequentar as festas.
E, ao contrário de Emanuel, Jéssica acabou perdendo o irmão, Vinícius, falecido em decorrência dos efeitos da fumaça tóxica. Antes disso, o rapaz ajudou a salvar outras pessoas que estavam lá.
Os dois foram ouvidos na manhã até a metade da tarde desta quinta-feira (2/12), segundo dia de julgamento do caso Kiss.
A sessão foi suspensa às 14h30min, para 40 minutos de almoço, retornando às 15h10min.
O próximo ouvido é o Engenheiro Miguel Ângelo Teixeira Pedroso (ver abaixo), testemunha de acusação. Também estão previstos os depoimentos de mais 3 vítimas, Lucas Cauduro Peranzoni, Érico Paulus Garcia e Gustavo Cauduro Cadore.
Depoimentos
Naquele 27/01/13, Emanuel de Almeida Pastl, hoje com 27 anos, comemorava o aniversário com o irmão gêmeo e amigos na boate Kiss. Ele foi a primeira vítima a ser ouvida nesta manhã.
De acordo com o jovem, onde ele e o grupo de amigos estavam, não visualizavam o palco nem da pista. Quando viram a fumaça subindo, eles começaram a correr. A fumaça e a temperatura aumentaram bastante rapidamente. “Um estado insuportável. As pessoas entraram em pânico”, afirmou. Na correria, ele e o irmão se perderam, seguindo por lados diferentes, mas os dois conseguiram deixar a boate. Como sequela, Emanuel ficou com bronquiolite.
Quando saiu, ele disse que não viu movimentação significativa na frente da boate, inclusive de bombeiros. Chegou a pedir ajuda para pessoas que passavam, mas não foi atendido. Só quando uma viatura da Brigada Militar se aproximou que Emanuel foi levado ao Hospital de Caridade. Logo em seguida começaram a chegar muitas vítimas. Uma das amigas que estavam com ele na festa acabou falecendo.
Emanuel foi transferido para o Hospital da Ulbra, em Canoas, por 10 dias. Ele contou à Promotora de Justiça que acabou conhecendo a sua esposa no hospital, uma vez que ela era quem fazia os seus curativos.
Ao lembrar do ocorrido, Emanuel disse que, quando o incêndio começou, não soou alarme e também não havia luzes indicativas para a rota de saída de emergência. Antes disso, ele falou que a boate estava cheia, inclusive, amigos deles até foram embora da festa, reclamando da lotação, que estava “desconfortável”.
Eles chegaram a ir para a pista assistir o show, mas acabaram saindo de lá pela quantidade de pessoas. Emanuel disse que não chegou a ver artefatos pirotécnicos e não sabe se faziam uso desse recurso nas festas.
Jéssica Montardo Rosado e o irmão, Vinícius, estavam entre amigos na boate. Ao contrário dela, o jovem não conseguiu se salvar. Seu depoimento durou quase 4 horas e meia.
A jovem contou que foi para a frente do palco assistir o show da Gurizada Fandangueira. Ela disse que viu a hora em que o artefato foi acionado e o fogo começou. Houve uma faísca, os músicos pegaram os extintores, tentaram apagar o fogo com a garrafas de água, mas sem sucesso. Até que Marcelo colocou o microfone no chão e disse: “sai”.
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Ela não lembra detalhes do percurso. Quando saiu, olhou para trás: “Me apavorei! Era muita gente saindo”, disse Jéssica, que ligou para a família, preocupada com o irmão. Lembrou que, no desespero, tentou retornar à Kiss várias vezes para tentar encontrá-lo. “Acho que é o instinto de irmão, de amor, de empatia. Eu queria ter feito mais, mas eu não tive força”, lamentou Jéssica, bastante emocionada.
Vinícius, que tinha 26 anos, não resistiu e faleceu no hospital. O jovem ajudou a salvar outras vítimas (cerca de 15 pessoas, estima a irmã). “O meu irmão era a melhor coisa que eu tinha na minha vida”.
Ela descreveu a personalidade do irmão: “Vinícius sempre foi solidário. A gente já tinha ajudado a apagar um incêndio na cidade em que morávamos”, conta. “Meu irmão era um gigante solidário. Ele jamais seria o mesmo se tivesse voltado para a casa e não tivesse ajudado ninguém, vendo a magnitude que foi”. Segundo ela, os bombeiros chegaram a pedir que ele não entrasse na boate.
Mais 5 amigos faleceram, além de conhecidos. “Conhecia uma grande parte”. Hoje, ela considera que consegue falar bem sobre o que ocorreu, embora evite lugares fechados e passou a observar as regras de segurança e prevenção. Jéssica informou que não conhece os donos da boate, Elissandro Spohr e Mauro Londero Hoffmann.
Os músicos, ela conhecia de vista, menos Danilo (o gaiteiro do grupo, que faleceu), com quem ela conversava.
Hoje, a única pessoa que ela encontra é Luciano Bonilha Leão, que segue trabalhando com eventos, mesma área de atuação do pai dela. Ela informou que nunca o viu utilizando artefatos pirotécnicos.
Jéssica lembra que viu Elissandro na rua, tentando retornar para a boate para ajudar as pessoas que ainda estavam lá dentro. Marcelo estava suado e aparentemente em choque.
Ela disse à defesa de Mauro que não tem conhecimento técnico, mas que acredita haver outros responsáveis pelas causas do incêndio na Kiss, que não apenas os 4 réus.
Falou para a defesa de Marcelo que, quando começou o fogo, a situação não parecia tão crítica como realmente acabou sendo. “Não sei explicar como saí, a gente carrega uma culpa por isso. Tudo se encaminhava para a saída. Eu só senti o terror na hora em que apagou as luzes”. Também esclareceu que não lembra se apenas viu o movimento labial de Marcelo dizendo “sai” ou se ouviu isso.
Jéssica foi questionada pelo Advogado de defesa de Elissandro sobre o uso da espuma, bem como seus efeitos e sua regulação. A defesa mostrou fotos em que pessoas aparecem na Kiss posando com garrafas de champanhe com velas saindo faíscas.
Ele perguntou se a vítima sabia o contexto em que foi tirada aquela imagem e ela disse que não. Ela respondeu também que nunca tinha visto essa situação na Kiss.
apresentou uma maquete virtual da danceteria, fazendo uma série de questionamentos acerca dos ambientes e detalhes que a vítima pudesse informar.
A jovem falou que o pai dela, certa vez, encontrou Luciano e que os dois se abraçaram. Questionada pelo Advogado sobre o que os réus são para ela, respondeu: “Seres humanos”.
Caso Kiss: Engenheiro que elaborou projeto de isolamento acústico da boate depõe por quase 5 horas
O Engenheiro Civil Miguel Ângelo Teixeira Pedroso, 72 anos, foi ouvido na tarde desta quinta-feira (2/12). Pós-graduado na área de acústica arquitetônica, em 2011, ele foi responsável pela elaboração do projeto de isolamento acústico da boate Kiss para adequar o estabelecimento ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público para resolver esse problema.
Primeira testemunha arrolada pela acusação, Pedroso teve o depoimento adiantado, a pedido dele próprio nos autos, em razão da sua idade, o que foi acordado pelas partes. A inquirição durou quase 5 horas.
Hoje ainda será ouvida a vítima Lucas Cauduro Peranzoni. Amanhã (3/12), está prevista a inquirição das testemunhas de acusação Daniel Rodrigues da Silva e Gianderson Machado da Silva (que pediram nos autos para antecipar os seus depoimentos). E, na parte da tarde, a testemunha Pedrinho Antônio Bortoluzzi (arrolada pela defesa de Marcelo) e a vítima Érico Paulus Garcia.
Depoimento
O objetivo era promover o isolamento acústico no interior da boate para conter a poluição sonora produzida e que causava reclamações da vizinhança. O Engenheiro Civil explicou que, no ruído aéreo, se faz o isolamento através da criação de massa e não por material absorvente, como espuma. Por isso, quando entrou no estabelecimento, aconselhou que fosse retirada uma espuma que estava colocada em uma das paredes.
Ele detalhou o que indicou para resolver o problema. “Minha sugestão foi que se fizesse uma parede na entrada da boate e revestisse todas as paredes com uma camada de alvenaria (tijolos). Entre as duas camadas, uma de fibra de vidro, que também é um isolante acústico”. O projeto acabou sendo feito com pedra em vez de tijolo, material que Elissandro já tinha.
A única coisa que Elissandro não concordou foi em fazer essa colocação no fundo da boate. “Sugeri, então, gesso acartonado. Ele achou caro. Então, sugeri madeira com uma camada de lã de vidro. Também foi sugerido por mim que se isolasse a laje superior com uma camada de gesso acartonado intermediada por lã de vidro”.
O Engenheiro aconselhou a troca da posição do palco para que fosse deslocado para o fundo. O proprietário pediu que ficasse em nível acima do piso. Foi colocada lã de vidro com maior densidade (para evitar o som do impacto) e recoberta com uma camada de madeira compensada.
Pelo trabalho, Pedroso cobrou R$ 8 mil (foi pago R$ 6 mil à vista). Ele não foi contratado para realizar a execução do projeto, mas, como era de praxe, costumava acompanhar o andamento da obra mesmo assim. Os trabalhos foram concluídos no início de 2012 e a execução custou em torno de R$ 60 mil. Ele afirmou que sabia que Mauro e Kiko eram sócios. “Inclusive, na obra, encontrei umas duas vezes Mauro ajudando”.
O Engenheiro, que estava morando em Alegrete, foi informado que o MP queria fazer uma vistoria ao local e se deslocou até Santa Maria para acompanhá-la. A equipe foi até a danceteria, fez fotos e verificou que tudo estava conforme o projeto.
Posteriormente, Elissandro disse ao Engenheiro Civil que continuava ocorrendo o vazamento acústico. Na ocasião, ele lembra de o empresário sugerir a colocação de espuma. Kiko ligou para o Engenheiro dias depois pedindo um laudo que atestasse a situação da boate. Para isso, era preciso fazer a medição de ruído. “Vim 3 vezes de Alegrete e não consegui falar com ele. Tinha um funcionário que me atendia, mas a vizinhança não estava avisada”. Sem a conclusão do trabalho, o Engenheiro retornou para a sua cidade e também não foi mais solicitada a sua presença pelo sócio da Kiss.
A testemunha informou que gesso acartonado e alvenaria de pedra são absolutamente seguros. Lã de vidro não é inflamável. Já em relação à espuma, existe no mercado um tipo que não é inflamável e é segura. “Outros tipos podem ser inflamáveis, por exemplo, a espuma que se usa em colchões” .
Ele enfatizou que, em nenhum momento indicou o uso de espuma no local, “pelo que acredito, do ponto de vista técnico, no que diz respeito a isolamento acústico”. “Pelo que acompanhei na imprensa, a espuma colocada na boate foi comprada em uma colchoaria. Esse tipo de espuma é inflamável”.
Segundo ele, a espuma adequada para isolamento acústico é bem mais cara que a comum e também mais resistente ao fogo. Como foi constatada a presença de espuma na Kiss, o Engenheiro acredita que foi realizada uma obra posterior ao seu projeto. Frisou que qualquer espuma vai liberar gases tóxicos em contato com o fogo, por ser derivada de petróleo.
O depoimento se encerrou às 20h10min.
Caso Kiss: Depoimento de DJ encerra segunda noite de julgamento
Lucas Cauduro Peranzoni era DJ e tocava há 6 meses na Boate Kiss, inclusive, na noite de 27/01/13, na festa “Agromerados”. A testemunha foi a última a ser ouvida nesta quinta-feira (2/12). Antes, precisou receber atendimento psicológico e seu depoimento foi marcado por bastante emoção.
Lucas narrou como começou o fogo, a partir do acionamento do artefato pirotécnico. “Surgiu uma bola de fogo e, depois, uma nuvem preta muito densa. Ela se espalhou muito rápido. E estava muito escuro”, afirmou. “A sensação é que tinham tocado gasolina”. Marcelo e outras pessoas que estavam perto do palco tentaram apagar o fogo jogando água e utilizando o extintor de incêndio, mas não conseguiram. Lucas afirmou que não ouviu ninguém alertar para que o público saísse.
Como conhecia a boate, conseguiu sair a tempo, mas ele acredita que quem não conhecia o local teria dificuldades. “Perdi muitos colegas, muitos amigos e conhecidos”. A danceteria estava cheia, mas, no ambiente em que ele estava, não tinha tantas pessoas. Após deixar a boate acabou desmaiando e sendo levado ao hospital.
Lucas foi contratado como freelancer por Elissandro Callegaro Spohr (Kiko) e por Mauro Londero Hoffmann, os sócios da Kiss e réus no processo. Mas disse que questões administrativas eram tratadas com o Kiko e sua equipe.
Ele não tinha conhecimento sobre a colocação de espuma no teto do estabelecimento. Também não soube dizer se a Gurizada Fandangueira utilizava artefatos nos seus shows. E disse que conhecia a banda de Kiko, chegou a viajar com ela e estava presente quando o clipe do grupo foi gravado na Kiss.
A testemunha informou que nunca ouviu uma ordem para que os seguranças barrassem o público para não sair sem pagar. Respondeu também sobre controle de público na danceteria; que sabia que existia esse controle, mas não se efetivamente se cumpria. Afirmou que havia placas de sinalização no interior da boate, mas naquele momento, não podiam ser vistas devido à escuridão.
O depoimento de Lucas se encerrou às 22h10min.
Amanhã (3/12), está prevista a inquirição das testemunhas de acusação Daniel Rodrigues da Silva e Gianderson Machado da Silva (que pediram nos autos para antecipar os seus depoimentos). E, na parte da tarde, a testemunha Pedrinho Antônio Bortoluzzi (arrolada pela defesa de Marcelo) e a vítima Érico Paulus Garcia.