Casuísmos – Jayme José de Oliveira
Baixada a poeira causada pelo resultado da votação no STF – 6/5 – revogando as prisões após condenação em 2ª instância, teçamos algumas considerações sobre fatos recorrentes de maneira monocórdia: CASUÍSMOS, manobras implantadas para modificar as regras do jogo com a finalidade específica de obter benefícios.
Quando a legislação vigente se aproxima perigosamente de integrantes dos “mais iguais” no momento, ABRACADABRA! Surge alguém para sugerir um “jeitinho” de modificar ou, não sendo possível, contornar a importuna lei.
Diz-se que, no Brasil, cadeia é só para os três “pês”: pretos, pobres e prostitutas. Para eles, aplique-se a lei… os rigores da lei; para os “mais iguais”, aplique-se a lei… os benefícios da lei.
Em 1973, para proteger o delegado Paranhos Fleury, foi revogada a regra do nosso Código Penal de 03/10/1941, que SEMPRE prendeu os criminosos após julgamento e condenação na 1ª Instância. Foi estabelecida a prisão apenas após a 2ª Instância. Editou-se a famosa “Lei Fleury”, Lei nº 5.941, de 22/11/1973.
O processo do MENSALÃO tinha no índex corruptos do mais alto escalão, que não podiam serpresos. Decidiu-se prender somente após trânsito em julgado, derrogando por desuso a Lei Fleury.
O STF aprovou, em 04/11/2011, a Lei nº 12.403 que determina a presunção de inocência até a última instância. A Constituição não determina explicitamente que não se pode prender antes do trânsito em julgado.
Em 2016 o STF, por 6 votos a 5 revogou mais uma vez esse entendimento e admitiu que se continuasse a prender delinquentes após condenação em 2ª Instância. A “Espada de Dâmocles” novamente ameaça os intocáveis.
“Se a execução da prisão em 2ª Instância cair, ladrão, estuprador e corrupto sairão do tribunal escarrando na face da vítima. Os assassinos não o farão porque suas vítimas estão debaixo da terra. Será isso um exemplo de sociedade civilizada”? (Ailton Benedito, Secretário de Direitos Humanos da PGR)
A prisão após a 2ª Instância representa uma nova realidade na jurisprudência: réus brancos e ricos não estão mais imunes à prisão. Com a assinatura da Lei nº 12.850, de 02/08/2013 – Lei da Delação Premiada – pela presidente Dilma Rousseff, os escândalos passaram à ordem do dia e foi aberto um caminho para Lava-Jato que representa um verdadeiro marco no Direito brasileiro e acompanha a avassaladora maioria dos sistemas judiciários modernos.
A volta ao aguardo do trânsito em julgado determinará o fim das delações premiadas, será mais interessante postergar os julgamentos “ad aeternum”. Voltaremos a ouvir o clamor popular: “o crime do colarinho branco compensa”.
Um grupo de 41 senadores assinou em 05/10/2019 carta dirigida ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli a favor da manutenção da possibilidade de prisão após condenação em 2ª Instância que tem sido fundamental para combater o sentimento de impunidade para “crimes de colarinho branco”.
Alguns casos que desnudam o casuísmo:
Analfabeto, Evandro José Fernandes de Souza, em 2011 furtou uma bermuda, foi preso. Solto dias após o flagrante respondeu ao processo em liberdade mas não escapou da condenação de um ano e sete meses de prisão após julgamento em 1ª instância. Defensores públicos federais apresentaram um recurso ao STF, alegando a tese da insignificância.
O ministro Dias Toffoli analisou o caso e, em junho de 2018 veio a decisão: por ter praticado outros pequenos furtos teve denegado o recurso. Uma semana antes, o mesmo Toffoli deu a José Dirceu o direito de aguardarem liberdade o julgamento dum recurso. José Dirceu era reincidente em desvios milionários de dinheiro público.
Em 2018 Gilmar Mendes decidiu manter preso Valdemir Firmino, acusado de ter roubado 140 reais. O acusado, portador de HIV, não tinha acesso a medicamentos adequados, atestados médicos confirmavam a doença e apontavam risco de vida. No mesmo dia em que mandou o portador de HIV cego ser preso, Gilmar Mendes concedeu habeas corpus a quatro figurões presos na operação “Câmbio, desligo” que desvendou um esquema de lavagem de dinheiro de 1,6 bilhão de dólares.
O STF, em 07/11/2019, derrubou a prisão após condenação em 2ª instância. O ministro Luís Roberto Barroso em seu voto ilustrou o abismo que separa réus ricos e poderosos dos que não têm condições de influenciar a mais alta corte do país disse: “não foram os pobres que sofreram o impacto da possibilidade de não execução da pena após a condenação em 2º grau”.
O ministro Luiz Fux lembrou em seu voto que “os tribunais superiores não admitem REEXAME DE FATOS E PROVAS”.
A ministra Carmen Lúcia, no seu voto: “se não tem certeza de que a pena imposta será cumprida, o que impera não é a incerteza da pena, mas a certeza ou ao menos a crença da IMPUNIDADE e os que mais contam com isso NÃO SÃO OS MAIS POBRES. David Coimbra (Zero Hora, 08/11): “O STF deu uma bofetada na cara do brasileiro. Só quem dispõe de muito dinheiro pode se valer dessa decisão. Ao referendar esse privilégio aos ricos. O STF referendou a impunidade e a desigualdade”.
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado