Colonizações díspares – Jayme José de Oliveira
As condições ambientais, as localizações e os habitantes por si sós não explicam o porquê alguns locais progridem, seus habitantes prosperam e levam uma vida condizente com as necessidades e conforto almejados enquanto outras chapinham num ambiente sub-humano, sem as mínimas condições de uma vida digna.
Exemplo marcante é a cidade de Nogales, cortada ao meio por uma cerca. Se vieres do norte, verásNogales, Arizona, Estados Unidos, com uma renda familiar anual de U$ 30 mil, a maioria da população conclui o ensino médio, tem acesso ao Medicare, um sistema de seguros e saúde administrado pelos Estados Unidos e tem acesso à eletricidade, telefonia, sistema de esgotos, malha rodoviária e, importante, lei e ordem. Ao sul da cerca, em Nogales, Sonora, México, muitos adolescentes não vão à escola. Devido à precariedade dos serviços de saúde pública vivem menos que seus vizinhos do norte, não têm acesso a muitos serviços públicos, as estradas se encontram em péssimo estado de conservação, a lei e a ordem não são eficientes e a criminalidade é alta.
A cobiça europeia determinou que Buenos Aires, rica em prata, em 1516 fosse dominada por Juan Diaz Solis. Os charruas no lado uruguaio e os querandis, na banda argentina, não se submeteram e mataram Solis a bordunadas. A fome grassava entre os espanhóis que não se conformavam em trabalhar para obter os alimentos de que necessitavam.
Em 1537, Juan de Ayolas subiu o rio Paraná e entrou em contato com os índios guaranis, povo sedentário e agrícola que, após breve conflito foi vencido e lá foi fundada a cidade de NuestraSeñora de Santa Maria de Assunción, até hoje capital do Paraguai.
Os primeiros colonos espanhóis, como os ingleses, não tinham o menor interesse em lavrar as terras com as próprias mãos. Queriam riquezas – ouro e prata – para saquear.
Pizarro, em 1531, chegou à cidade de Cajamarca. O imperador inca Atahualpa dirigiu-se com seu séquito ao local do acampamento dos espanhóis que prepararam uma armadilha, mataram os guardas de Atahualpa e o fizeram prisioneiro. Para ganhar a liberdade prometeu encher uma sala com ouro e duas com prata. A promessa foi cumprida, mas os espanhóis renegaram a sua parte do acordo e estrangularam Atahualpa em 1533. Os tesouros artísticos do Templo do Sol foram arrebatados e fundidos em barras.
Em 1544 foi a vez da Bolívia, onde havia quantidades espantosas de prata. Fundaram a cidade de Potosi que no seu apogeu, em 1560, contava com 160 mil habitantes, mais que Veneza e Lisboa na época. A mão de obra era requisitada entre a população adulta e, num regime que beirava a escravidão. Este processo gerou muita riqueza para a Coroa espanhola e tornou riquíssimos os conquistadores e descendentes, mas converteu a América Latina e Central no continente mais desigual do mundo e solapou boa parte do seu desenvolvimento econômico.
No decorrer do século seguinte a Espanha colonizaria a maior parte das regiões central, ocidental e sul da América, inclusive o México enquanto Portugal ocuparia o Brasil.
As atrocidades praticadas pelos espanhóis foram descritas pelo sacerdote dominicano Bartolomé de las Casas no seu livro “Brevíssima relação da destruição das Índias”, escrito em 1542, destacando principalmente o sistema de “encomiendas”, assemelhado às “capitanias hereditárias” no Brasil.
É evidente que, ao longo dos séculos e nos mais variados pontos da Terra, as colonizações pelos “civilizados” subjugando os “nativos” se configurou numa desumana, injusta e desproporcional forma de estabelecer “castas”. Não apenas na Índia o povo é separado em agrupamentos que não se miscigenam, como se fossem raças oriundas de etnias diversas (e de certa forma o são). A exploração imposta pelos “colonizadores” se concretizou de modo tão vil e repugnante como entre brâmanes e párias.
Convém ressaltar, contudo, que nem todos os colonizadores foram tão cruéis como os espanhóis na América e bôeres (oriundos dos Países Baixos, Alemanha e Dinamarca) que se estabeleceram nos séculos XVII e XVIII na África do Sul)e disputaram com os britânicos o comando do país.O apartheid foi uma chaga indelével que Nelson Mandela e Frederik Willem de Klerk, em 1994 sepultaram, o mais execrável racismo que se tem notícia.
Estas diferenças, voltando ao início da coluna, podem servir de parâmetro para entender como uma cidade separada por uma cerca e habitada por pessoas de diferentes nacionalidades pode ter um estilo de vida tão diverso. A colonização inglesa que consolidou os Estados Unidos e a espanhola, que imperou nas Américas do Sul e Central, são díspares como os estilos de vida das duas Nogales.
As instituições que se basearam na exploração dos povos nativos levaram à criação de monopólios, bloquearam os incentivos econômicos de amplos grupos menos capitalizados – pessoas comuns como a maioria da população ativa. Outra filosofia econômica e administrativa incentivou a capitalização via atrativos para a grande massa da população e esse viés conduziu à prosperidade. Não se pode desprezar o valor que representa para uma sociedade livre a contribuição popular através da compra de ações nas bolsas de valores, ou através de instituições que girem essa poupança, dirigidas por profissionais especializados.Assim, enquanto os Estados Unidos iniciavam a Revolução Industrial que os catapultou ao topo da pirâmide na primeira metade do século XIX, o México empobrecia.
Dados para esta coluna foram coletados no livro “Porque as Nações Fracassam”, de DaronAcemoglu (Professor de Economia do MIT) e James Robinson (professor de Administração Pública da HarwardUniversity).
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado