Como disse o zelador, Deus é Grande – Erner Machado
Eu tenho 7 ou 8 leitores assíduos mas, para mim, é como se tivesse milhares !
Então um pedido de um deles assumes foros, de obrigação. E assim que atendendo a um pedido, republico este velho texto que trata da Lei do Retorno que não tem instâncias indevidas e suas sentenças, quanto aplicadas, são justas e perfeitas e, portando , não existem recursos capaz de modifica-las ou anulá-las.
No verão de 2002, estavam acontecendo temperaturas extremamente altas que produziam um calor que, de dia impingia aos porto-alegrenses fortes sois e mormaços que se estendiam noites, a dentro.
Isto obrigava os moradores das casas a ficarem com as portas abertas até mais tarde e os de apartamento descerem para as calçadas e ficarem jogando conversa fora, tomando chimarrão ou uma cervejinha que ficava logo quente, falando do preço do condomínio, da sindica e, obviamente, reclamando do calor.
Foi numa noite destas que o silencio do nosso prédio, na Lucas de oliveira, foi quebrado pelo som da buzina de um Chevette que se aproximou da entrada do edifício e logo, em seguida, ouviram-se os estrondos de uma infinidade de foguetes de todos os tipos e potencia que, disparados do chão subiam, na vertical do edifício, assustando os moradores que se encontravam nas janelas.
Logo que o foguetório terminou, ouviu-se uma voz que, ao Microfone, gritava:
Katiene, Katiene, esta homenagem é para você, por favor, apareça ,pois a pessoa que nos determinou este momento, está presente e quer que você, ao seu lado , ouça as nossas palavras e as nossas músicas.
E os microfones, com som no máximo, tocaram na seqüência: Detalhes, Como é grande o meu amor por você, Se você me deixar, Menina Linda, Eu sei que vou te amar, Ligue para mim não ligue para ele e outras mais…!
Nesta altura, passado o susto das bombas, todo o edifício tinha descido, menos a katiene que era a filha do zelador!
Até que por fim com o pai , a mãe e a Katiene, desceram as escadas do apartamento de um quarto em que moravam, no térreo do edifício e com o rosto em brasa e longas lagrimas que não eram de emoção, caminhou até a frente do edifício sob os aplausos das crianças e de muitos adultos.
Lá perto do Chevette, estava o Luiz, o seu namorado que com um grande abraço a aconchegou para si, pedindo que o zelador e a mulher, chegassem também, para perto dele, para que a família unida pudesse assistir homenagem pelo aniversário de 15 anos da Katiene.
E durante cinco minutos, lá vieram mais foguetes. Cessados os foguetes veio Parabéns para você, e depois um texto escrito pelo namorado e lido pelo apresentador da cerimônia.
A katiene, nesta altura,chorava a prantos e todos pensavam que era de emoção….mas era de vergonha.
O Zelador e a mulher choravam, de felicidade pela filha e de emoção pela lembrança do Luiz.
Esta ficaria sendo a única lembrança dos 15 anos, pois eles não tinha feito nada para ela…!
Finda a longa cerimônia a Katiene entrou retornou para o apartamento acompanhada da mãe e do Luiz.
O Zelador ficou, chamado que havia sido pela síndica que, de dedo em riste lhe passou uma descompostura, pelo fiasco que o namorado da Katiene havia proporcionado perante os moradores do edifício e pelo fato de que sua filia Carolina estava estudando matemática pois tinha prova na faculdade de Engenharia da Ufrgs, na manhã seguinte.
O zelador, silencioso e sério, ouviu tudo, desculpou-se e pediu para se retirar.
De passagem, por mim que, já me encontrava em ponto de intervir no assunto, me disse:
Deve ser muito difícil, seu Machado, ser filha de Zelador. Mas…. Deus é grande!!! Disse com uma entonação diferente na fala.
A passos largos sumiu na entrada do edifício e por longos dias, passei a não vê-lo mais, no horário das sete da manhã, quando eu saia para trabalhar.
Passaram-se os tempos, a katiene brigou com o namorado. A Carolina acabou a faculdade de Engenharia e já estava trabalhando em um grande construtora de Porto Alegre.
Até que, num sábado do verão de 2003- há 20 anos atrás- numa noite tão quente como aquela de 2002,o edifício ouviu o ronco de um carro com descarga aberta, aproximar-se do portão central.
E, os mesmos foguetes, subiam na vertical da parede da frente do prédio, e o mesmo locutor, as mesmas músicas, os mesmos microfones, só uma diferença. O locutor, chamava agora:
Carolina, Carolina, desce que temos uma homenagem para ti.
Muitos moradores se encontravam, como antes, na calçada do edifício. Os demais todos desceram. Velhos, velhas, mulheres e crianças.
As musicas continuavam e nova salva de foguetes foi acionada e foi sob o efeito de seu barulho todo o mundo viu a Carolina aparecer, amparada pela mãe, a síndica, e as duas aos prantos, que não eram de felicidade, se encaminharem para a frente do edifício onde se encontrava o carro de som.
Um aperto no peito me impedia de falar e meus ouvidos escutavam, Vingança de Lupicínio Rodrigues embora, nesta hora, a musica tocada fosse Garota de Ipanema, do Tom e do Vinicius.
Arrastando os chinelos, tomando um chimarrão o Zelador veio ver o que acontecia e ao passar, por mim, disse baixinho, com um dissimulado sorriso que era escondido pelo seus bigodes:
Seu Machado….Deus é grande!