Da série depoimentos: a família surda
Quando eu tinha quarenta anos ouvia tudo o que o meu pai ou a minha mãe diziam, eles falavam em tom de médio para baixo e os ouvia perfeitamente. Mas quando eu tinha a idade que os jovens têm, hoje, não existiam tanto aparelhos eletrônicos e tanto som. Lá no Touro Passo tudo era silêncio.
De dia o silêncio do Dia. De noite o silêncio da noite. Acho que é isto… Mas o que me deixa triste é que penso que tenho tantas coisas para contar, tantas experiências, tantas brincadeiras para passar a diante.
Conheço caminhos perigosos que me levaram a muitas quedas e atalhos que me levaram a algumas vitórias, que eu gostaria de comunicar a minha família para que os atalhos fossem usados e os caminhos perigosos fossem evitados mas, quando eu falo ninguém ouve…Isto tem me deixado triste.
É claro que tem momentos em que o que estou dizendo não está de acordo com o que a novela das oito ensinou e aí acho que não devem me ouvir mesmo, mas tem vezes nas quais o que vou dizer, no meu entendimento, é extremamente importante e, todo mundo falando ao mesmo tempo, não consigo me fazer ouvir.
E o pior é que minha companheira está ficando surda, também. Ela consegue ouvir a televisão, com volume aumentado, mas minha voz ela não ouve.
E como eu não gosto de gritar ela não vai me ouvir, nunca… Assim não tenho a quem alertar sobre a surdez que está tomando conta de minha família.
Dia destes eu bati palmas e disse: Oi pessoal, o próximo sou eu!!! Tentei brincar me inscrevendo na “Ordem do Dia “. Ouviu-se um sonoro: Não atrapalha pai…Cala a boca VÔ!!! Levantei e sai para a rua, para tomar um pouco de ar e chorar, sozinho…! Que pena eu tenho de minha familia…
(Antonio Carlos. Alambrador- 80 anos –Touro Passo- Rosário do Sul).