Da série depoimentos
No trajeto fumo uns dois cigarros, até que chega o ônibus e eu me misturo com outras pessoas, sentadas e em pé, rumo ao trabalho.
Bato o ponto e começo uma jornada de oito horas de trabalho e, se puder trabalho nove ou dez, pois umas horas extras ajudam,sempre, o minguado salário ao final mês.
Quando saio do trabalho tomo, novamente o ônibus de retorno e desço em uma parada perto da minha casa, junto ao boteco onde compro fiado o pão, o cigarro e a mortadela para o café da noite, com a mulher e com os filhos.
Aproveito para tomar uns quatro ou cinco “martelinhos” de cachaça de Santo Antonio. Pura que é para curar a dor nos braços e o aperto no peito. Nos dias em que tenho parceria, tomo quase uma garrafa.
Quando bebo demais a cachaça começa a ficar amarga e eu fico desconfiado que não seja de Santo Antonio. Lá pelas oito ou nove da noite levo o pão e a mortadela para casa.
Quando estou muito bêbado não consigo tomar café. Vou me deitar para não ouvir as broncas da mulher e o choro dos filhos. Sempre fico muito envergonhado quando chego bêbado em casa. Prometo, para mim mesmo que isto não vai mais acontecer.
Mas sempre tem alguém convidando a gente para mais uma e ai não se consegue ficar na primeira. Quando tomo umas a mais, fico pensando em meus filhos e no futuro que eles terão. Será que eles serão diferentes de mim?
Será que poderão estudar e ter um trabalho de terno e gravata, com telefone do lado, secretária e cafezinho? Ou serão miseráveis iguais a mim, com um trabalho miserável e com uma vida miserável? O meu silêncio fica mais profundo e eu peço mais um martelo da pura, cujo sabor amargo vai queimando minhas dores, minhas tristezas e minha vergonha!
Zé Antonio (Coqueador de sacos de Rosário do Sul).