Colunistas

David Coimbra e Bakunin – em “Estado” de graça

– “Alguns poderão, ao concluir este curso, que jamais se tornarão sequer razoáveis escritores, mas, certamente, serão excelentes leitores!”. – Com essas palavras inicio minhas oficinas de criação literária, para desencanto, muitas vezes, da maioria dos alunos. Dourar a pílula? Para quê?

Daí porque saber decodificar um texto naquilo que ele pretende expressar é, no meu entender, de mais valia do que se aventurar impetuosamente nesse mágico, fantástico, porém, intrincado labirinto de cavernas habitadas por bruxos e fantasmas: – o universo das letras. Ler os clássicos – A Divina Comédia (Dante Alighieri), Don Quixote (Cervantes), Odisséia (Homero), À Procura do Tempo Perdido (Proust) – e entendê-los não é tarefa branda. Na leitura da mais cotidiana crônica de jornal, em nome da dinâmica que lhe é inerente, não se impõem os mesmos óbices.

A crônica do jornalista David Coimbra, Pelo fim do Rio Grande, publicada no jornal ZH, edição do dia 17 de abril último, no entanto, suscitou, por não ter sido bem entendida, as mais acaloradas discussões, reacendendo, sobretudo, nos corações dos bairristas, ódios e ressentimentos.

Na definição de Gramsci “o Estado não é concebível mais que como forma concreta de um determinado mundo econômico, de um determinado sistema de produção”. O Estado é, assim, a expressão, no terreno das superestruturas, de uma determinada forma de organização social da produção. O Estado é concebido, segundo Gramsci, como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo. Essa expansão para ser eficazmente levada a cabo, não pode aparecer como a realização dos interesses exclusivos dos grupos diretamente beneficiados.

A definição de Estado aqui esboçada procura evitar uma concepção que o reduz ao aparelho coercitivo. A construção do consenso também encontra lugar nesse Estado. O Estado tem, dessa maneira, um caráter dual, meio homem, meio animal, como o centauro maquiavélico. Chega-se ao ponto da exposição no qual se faz necessário precisar os contornos do Estado para Gramsci. O Estado é entendido em seu sentido orgânico e mais amplo como o conjunto formado pela sociedade política e sociedade civil, ou para retomar uma fórmula já clássica (Estado = sociedade política + sociedade civil, ou seja, hegemonia encouraçada de coerção).

Dito isso, faz-se fundamental a releitura do polêmico texto de David Coimbra. Ao desenvolvê-lo, o jornalista construiu uma inteligente sátira ao pensamento de Mikhail Aleksándrovich Bakunin, teórico político russo, principal expoente do anarquismo. A ironia e a graça com que Coimbra trabalha o contraponto ao culto demasiado “narcisista” (ou bairrista!) do gaúcho para com suas façanhas(?) e tradições é invejável.

Ser gaúcho não se resume a tão-somente ir, aos domingos, para o Brique da Redenção, com lenço vermelho a cingir o pescoço, carregando a térmica de setenta litros de água fervente e a cuia do chimarrão; dizer que é fiel às tradições, aos costumes e bibibi (plagiando o próprio David Coimbra); que é o melhor em tudo, o mais valente, o mais macho, o mais politizado, culto… Ser gaúcho, simplesmente, dispensa a pantomima de se pilchar, montar no “pingo” e, sob os aplausos condescendentes dos veranistas, emporcalhar as areias do Litoral Norte em plena temporada.

Por fim, politicamente, quem somos nós para bater no peito e afirmarmos pela probidade de alguns dos nossos políticos e notórios gestores da coisa pública?
Abaixo o bairrismo!

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