Decompondo a poesia – Sergio Agra
SERGIO AGRA – Intelectual não vai a praia. Intelectual bebe.
DECOMPONDO A POESIA
Na segunda-feira, 11, publiquei o artigo crítico “Não se Joga Fora uma Antologia ao Sabor dos Ventos”, abordando as dificuldades que não poucos escritores têm em saber que gênero (Conto, Crônica, Poesia) estão a escrever. Ao término adiantei que abordaria em texto posterior a Poesia, o que agora faço.
Admiro os poetas – os talentosos, que fique bem claro! – que reinventam sonhos, pintam crisálidas, cantam amores traídos, pranteiam as separações e louvam em sonetos a fidelidade – “De tudo, ao meu amor serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto…” (Soneto da Fidelidade – Vinicius de Morais). Compartilho as lágrimas que vertem nas rimas dos solitários – “Hojeque a mágoa me apunhala o seio,/ E o coração me rasga atroz, imensa,/ Eu a bendigo da descrença, em meio…” (Saudade – Augusto dos Anjos).– “No chão espraia a triste sombra; e fora/ Daquelas linhas funerais/ Que flutuam no chão, a minha alma que chora/ Não sai mais, nunca, nunca mais!” (O Corvo – Edgar Allan Poe). Reverencio os que cantam a multiplicidade e as diferenças do amor – “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém…” (Quadrilha – Carlos Drummond de Andrade), que poderia ser ainda mais enriquecida… “Ricardinho que amava Joaquim, que amava Sidney, que amava o Tuca e a Joanna, que amava Simone, que amava Daniela, que amava Cristiane…”, o amor em todas as suas formas de amar…
A poesia moderna não mais admite os “…ais de saudades da aurora da minha vida…”. Ela exige leveza, descompromisso com métricas, despreocupando-se em caracterizar sejam os versos octossílabos, eneassílabos, decassílabos. A Poesia em nada peca se o humor, a ironia suplantarem o romantismo ou o amargor da dor-de-corno.
Neste exato momento é 1 hora e vinte minutos da quarta-feira, 13. Mesmo com a derrota humilhante do meu time, rio destemerecido fiasco, da ira que ele pode causar, da paixão desenfreada do torcedor fundamentalista, das suas mandigas e injunções. Há quem poderia até me criticar dizendo-me, “Fazer poesias numa hora dessas?”. Está aí!Esse alguém até sugeriu um bom título para elas.
Tenho saudades de você,…
… da maciez de suas mãos, Eurídice,
explorando o meu corpo inteiro, insaciável leoa.
… do seu olhar tão fagueiro, Berenice,
das nossas tardes à toa.
… de sua candura, Candice,
sussurrando segredos do seu coração.
… de seus beijos ardentes, Analice,
no desvario de irrefreável paixão.
… do seu olhar de cigana, Janice,
oblíquo e perscrutador.
… da suavidade do seu nome, Alice,
do Universo o mais arrebatador.
Tenho saudades de vocês,
dos meus desejos, a seu tempo,
que sequer Parvati ou Afrodite,
deusas do sexo, da beleza e do amor,
injungiram-me prometimento.
Somente de ti, amarga e vingativa Judite,
tua imagem carrego no pensamento,
rogando aos deuses minha absolvição
das sombras de tua maldição:
Otite.Conjuntivite.Sinusite.Rinite.Labirintite.Artrite.
Tendinite.Amigdalite.Apendicite.
Para ti, Judite,
calculada dinamite,
nem mesmo o inferno é o limite.
Academia dos poetas alienados
Com extremada inveja e mau gosto
os confrades lhe incineraram a poesia
acreditando causarem-lhe
irreversível desgosto.
Dedos em riste,
o baniram da Academia:
– Vade retro, dissidente,
nos cega a teu esplendor fulgente!
A luz primeira do amanhecer abissal
desvela o poeta adormecido sobre jardins
de virginais crisântemos carmesins,
o peito aureolado por um punhal.
Na Academia, impunidos,
os estultos libristas se satisfazem
com o imponderado carpe diem
O escritor, o tempo e o vento
Para o leitor,
ociosamente,
dono único de seu tempo,
tudo o mais é prolixo.
O escritor,
solenemente,
lança palavras ao vento
e ao lixo.