Delalves Costa, um poeta a afrontar a enfinge III
Os três primeiros versos, cortados pelo enjambement, já declaram tudo:
VIDA-CRONÔMETRO
Desimportância de agenda – no riso dos dias
não impresso
sou poeta-cego metáfora…
O tempo, essa criança que cresce
de pobre ritmo disperso
com suas flechas
a nos ameaçar vida cronômetro.
Adiante;
Mas não posso me desfazer relógio
– sou fatias deste viver afoito,
caricato no olhar urgência
O tempo não me perdoaria!…
Vingativo, rasgaria meus disfarces.
Mesmo sem agenda, temos que cumpri-la, pois somos fatias deste viver afoito, uma caricatura no olhar da urgência. Ou em outras palavras, não há necessidade de agenda impressa, a agenda já está inerente ao nosso viver, o que provoca até o riso dos dias.
Adiante:
Tenho dívidas com o destino
– os anos desperdicei
Um dia na expectativa das esperas
um dia o cronômetro pára!
O choro impresso depressa
cai desgraça.
O tempo flecha morde a carne…
– é sem atraso a certeza:
José, e agora!… e agora José!?
Mesmo sendo um poeta-cego, sem ligar para as agendas, um dia o cronômetro vai parar. O tempo flecha morde a carne, sem atraso. O poema já inicia declarando que o tempo é uma criança que cresce de pobre ritmo disperso, com suas flechas, a nos ameaçar vida-cronômetro. Mas não há como se desfazer relógio, pois somos fatias deste viver afoito, o olhar urgência nos enxerga caricatos, estilizado solitário abraço. “O tempo não me perdoaria!…”
E ainda rasgaria meus disfarces, o rosto retocado velhice seria motivo de gargalhadas. E não há como se rebelar, pois temos dívidas com o destino – “os anos desperdicei / impulsivamente, anti-horário / na expectativa das esperas…” E o final não poderia ser de outro modo além da citação drummondiana: E agora José? E acreditamos que aqui o autor vai além de uma simples intertextualidade, pois a expressão quase funciona como única permitida, como uma expressão de uso comum, de domínio público, e não de um determinado autor.
Cabe lembrar uma passagem de um dos maiores poetas de nosso país, Armindo Trevisan: “Drummond conferiu às palavras agora e José um sentido que não tinham antes, e que conservarão enquanto persistir o idioma”.