“Diálogos” – Sergio Agra
– Ah, finalmente apareceu. Fico feliz em ver você.
– Não vejo razão alguma para toda essa alegria e felicidade!
–Por que não? Afinal, eu lhe esperava há tanto tempo para uma conversa, fraterna de grandes amigos e camaradas…
–Virastemuçulmano para todo esse salamaleque?
– Apenas uma questão de cavalheirismo e cordialidade entre irmãos, dois amigos tão íntimos, afinal…
– Amigos? Íntimos? Está viajando na maionese? Está fora da casinha? Nunca considerei você um grande, quanto mais íntimo amigo. Você jamais teve a curiosidade em saber do meu trabalho, das minhas viagens ao exterior, dos meus gostos…
– E alguma vez você permitiu que isso acontecesse? Você apenas agrada a quem possa lhe servir e…
– Que presunção, fazer juízo de valor sobre meus atos.Ora!
– Como se fossem eles grandes coisas!…
– Agora é você quem está ofendendo!
– Aháaa! Então reconhece que estava fazendo o mesmo comigo?
– Não reconheço coisa alguma! Foi você quesem qualquer aviso prévio invadiu minha privacidade!
– Não, em absoluto! Jamais pretendi invadir essa privacidade. Muito antes pelo contrário; sempre estive à disposição para lhe ouvir e aconselhar…
– Aconselhar? E eu sou alguém que necessite de conselhos? Ora, nunca subestime a inteligência de um virtuose como eu! Sabe muito bem dos meus talentos…
– E eles são reconhecidos?
– Forças ocultas sempre conspiraram contra mim, puxando-me o tapete…
– E você já se perguntou o por quê?
– Inveja dos outros, por eu ser culto, mais inteligente do que eles!
–Você é como disse Dona Fátima: –Inteligente, sim! Culto, também! Mas “chatinho”!
– Quem é Dona Fátima?
– Aquela ouvinte que ligou para o programa da Rádio perguntando se você se imaginava na bancada do ManhathanConection.
–No mínimo uma vetusta senhora que adora reclamar para o prefeito dos buracos de sua rua,dos filhotes de gato e decachorro abandonados e dos pombos que invadem o seu pátio. Se bem que pombos merecem mesmo ser “estourados” com fécula para sagu!
– Sagu para os pombos?
– Sim! E aí, um…, dois… e três! “Pum”! Rararará! Eles “já eram”!
–Sua mãe estava certa quando dizia que você tinha um quê de sádico!
– Ela já está com mais de 100, esclerosada, o que esperar dela?
– A voz da sabedoria que vem deles: teus avós, teus pais…
– Ah, tá, só me falta essa: ter que ouvir um relatório fajuto sobre minha árvore genealógica!
– De sua mãe? De seu pai?
– Ó, “Pedro Bó”! De quem mais estamos falando, mentecapto?
– Sim, tem razão! Isso que não falamos dos filhos.
– Onde entram meus filhos nesse lero-lero?
– Eles procuram você, se aconselham, confidenciam, falam de projetos, viagens, ligam para dizer que amam você e sentem saudades, que você não é apenas necessário mas, para eles, você temum significado?
– Ora, os filhos… Você sabe bem, eles são do mundo! Nós os criamos, educamos, eles crescem, dão-nos um pontapé na bunda, batem asas, voam e fazem suas escolhas. Ai de quem ousar criticá-los.
– Os sentimentos não se vergam ao nosso simples querer. Ou eles são, ou não existe nada! Se eles inexistem, mascaram-se em condescendentes e frias gentilezas…
–Como você é presunçoso! Não apenas isso, arrogante, soberbo, petulante, vaidoso, egoísta… Se se descuidar ao passar pelo umbral da porta irá faltar espaço para a humildade!
– Calma, meu irmão! Muita calma nesta hora!
– Diga-me uma única razão para que eu fique calmo!
–Você ainda não se “antenou” que há mais de cinco minutos está falando com um espelho e não aprendeu nada?…
Cai o pano!