Distribuição desigual de médicos ameaça saúde no Rio Grande do Sul impactado por enchentes
A distribuição desigual de médicos no Rio Grande do Sul, estado recentemente devastado por enchentes consideradas entre as piores de sua história, está aquém do recomendado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Dados da Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (AMIES) mostram que apenas 6,67% das regiões de saúde do estado atendem à recomendação de 3,73 médicos por mil habitantes.
Esse cenário pode piorar com a possível negação de 13 pedidos de novos cursos de medicina e nove pedidos de aumento de vagas pelo Ministério da Educação (MEC), devido a mudanças nos critérios de avaliação.
Esses critérios agora consideram apenas o número de médicos por município, em vez de por região de saúde, contrariando a Lei dos Mais Médicos.
O MEC está analisando os pedidos de novas vagas em instituições como a Faculdade de Ciências da Saúde Moinhos de Vento e a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI).
No total, há 22 processos em trâmite, com tendência de indeferimento devido à Portaria nº 531/2023.
Esmeraldo Malheiros, advogado e consultor jurídico da AMIES, critica a nova abordagem do MEC: “A lei definiu que a apuração da relevância e necessidade social para implantação de novos cursos de medicina deve levar em consideração a região de saúde. Contudo, o MEC e a SGTES vêm, sistematicamente, ignorando o critério legal e restringindo a possibilidade de criação de novos cursos de medicina”.
Discrepâncias entre municípios e regiões de saúde são evidentes. Em São Paulo, por exemplo, o curso do Centro Universitário FACENS (UNIFACENS), em Sorocaba, foi negado apesar de a região de saúde ter apenas 2,87 médicos por mil habitantes, enquanto o município possui 5,13 médicos por mil habitantes.
Alcindo Ferla, pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ressalta a importância de considerar as regiões de saúde:
“Em 2011, foi estabelecido que cada estado e o Distrito Federal tivessem a prerrogativa de pensar em estratégias para oferecer uma atenção qualificada para seus municípios, ou seja, regionalizar a saúde”.
Rafael Henn, reitor da Universidade de Santa Cruz do Sul e Presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), expressa preocupação com as recentes negativas do MEC: “Nos causa espanto as negativas do MEC para abertura de novos cursos e novas vagas em medicina. Considerar a relação de 3,73 médicos por mil habitantes nos municípios não faz sentido”.
Com uma população de mais de 10 milhões e cerca de 54 mil médicos especialistas, o Rio Grande do Sul tem 20% de suas regiões com até 1,7 médico por mil habitantes.
Cidades fortemente afetadas pelas enchentes, como Uruguaiana e Estrela, estão entre as regiões com número de médicos abaixo do recomendado.
Claudio Klein, Secretário de Saúde de Lajeado, defende a criação de uma carreira estatal para médicos similar ao judiciário: “É fundamental ter médicos em todos os aglomerados de populações, mas precisamos criar oportunidades nestes locais também. Uma carreira estatal poderia resolver essa questão”.
Especialidades médicas com menor número de profissionais no estado incluem alergista e imunologista (42 médicos), cancerologista pediátrico (38 médicos), geneticista (33 médicos) e sanitarista (18 médicos). A falta de médicos nas regiões afetadas por enchentes destaca a urgência de soluções estruturais para garantir a saúde da população gaúcha.