” é Carter ” – Jorge Vignoli

“É CARTER”

Não, não me enganei com o título da crônica, pois refluo ao ano de 1976. Naqueles idos a ditadura no Brasil não demonstrava qualquer intenção de brandura, embora o general Geisel dissesse que levaria o Brasil a uma “abertura lenta, segura e gradual”.

Simultaneamente, Jimmy Carter começava a caminhada que o levaria à presidência dos Estados Unidos. Dentro da sua plataforma de campanha estava uma enérgica defesa dos direitos humanos. Em certo momento, antes mesmo de ser candidato, em uma entrevista, Carter foi explícito ao dizer que o Brasil vivia uma ditadura.

Comecei, então, a acompanhar a caminhada de Carter. Lembro que a velha Rádio Guaíba cobriu de forma esplêndida a eleição americana daquele ano. Recordo também que, em certa madrugada, colado ao rádio, ouvi a notícia de que, o The New York Times, na edição daquele dia, passava a circular com a manchete:

“É Carter”!

Estava acabado! A notícia, em furo — até certo ponto arriscado, mas com a credibilidade de um dos maiores jornais do mundo —, avaliava que o agricultor oriundo de um estado inexpressivo do Sudeste americano, opositor das ditaduras da América Latina, segundo a projeção dos votos, a partir de 1977 seria o novo morador da Casa Branca.

No ano seguinte Carter visitou o Brasil e enfrentou, vis-à-vis, os militares e deixou um recado explícito: os Estados Unidos não tolerariam mais os países que desrespeitassem as regras democráticas e, especialmente, desprezassem a dignidade Humana.

A grande bofetada na ditadura brasileira dada por Carter foi, entretanto, quando o seu governo concedeu asilo político a Leonel Brizola. Logo Brizola, o inimigo número um dos militares brasileiros de então, aquele que havia encampado a Bond & Share e Telephone & Telegraph, e que, por aquelas ações, criou, na época, um incidente internacional com o governo Kennedy, que outrora era tido como notório comunista, agora era recebido e protegido de braços abertos pela maior nação capitalista do mundo. Carter não se reelegeu. O Brasil só teria eleições diretas em 89, mas antes, aos poucos, o país foi se abrindo, por conta, em muito, da ação de um plantador de amendoim.

Agora veio a última eleição americana e Joe Biden vence. Me interessei pela eleição tanto quando havia me interessado, lá atrás, pela eleição de Carter. E ficava lembrando que, no primeiro governo de Dilma, Joe, então vice-presidente de Obama, veio ao Brasil e, na bagagem, trouxe documentos até ali secretos, provando a relação dos Estados Unidos — antes e depois — com Golpe de 64, e que abasteceram, à farta, a Comissão Nacional da Verdade. E durante a campanha, Biden e Kamala, não pouparam criticas ao governo Bolsonaro, principalmente no que toca à política do meio-ambiente.

Torci por Biden, porque confrontava com fascismos e, por decorrência, atingiria, eleito, a grei Bolsonaro, agarrada que está às pernas de Trump, lambendo seus sapatos, num servilismo de cócoras, a expor toda a obtusidade que orbita esse governo.
Eu sei que o candidato eleito, no fundo, pouco fará pelo Brasil, salvo em questões pontuais. Afinal, sejam os Democratas ou Republicanos no poder o princípio é o mesmo: America first! Mas o singelo fato de ter a certeza de que, no Alvorada, uma família, hoje, certamente em lágrimas, começa a amargar um isolamento internacional é razão suficiente para, nesses tempos de pandemia e recolhimento, ter um pouco de alegria.

Porque agora “É Biden!”.

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