Eça de Queiroz – Jorge Vignoli
Ao remexer a estante onde estão os meus livros, deparo com um exemplar de “O Primo Basílio”, de Eça de Queiroz. Ao abrir o livro amarelado pelo tempo consta escrito por mim a data, maio de 72. Folheio e relembro o livro há anos lido e me fixo no final da obra, onde Eça narra o diálogo entre o Visconde Reinaldo e Basílio, que subjaz a indiferença e o desdenho sobre a finitude humana.
O grande Eça traçou novas diretrizes ao naturalismo literário. Esse estilo foi introduzido com o “Crime do Padre Amaro”, obra que se procurou apontar de plágio de Zola, e que seria ainda motivo para discussões se se não provasse ter sido publicada antes.
Eça é, sem dúvida, o mais querido autor português e, para mim, o maior da nossa língua, não obstante o Nobel Saramago. Além de escritor ele foi diplomata, cônsul em Havana, Bristol e Paris. Conseguiu pela sua diplomacia costurar a abolição do tráfego negro em S. Tomé. Aparece na história da literatura, como notabilíssimo realista, senão o fundador, o verdadeiro ampliador e aperfeiçoador do realismo.
Sua prosa rápida, translúcida, moderna, pôs em debandada os arqueólogos da língua que nunca mais reconquistaram o terreno perdido. É nervoso, elétrico, versátil, brilhante, gostando da análise febril e cínica no sarcasmo.
A linguagem harmoniosa é elegante, e aplica os períodos como um artesão. Por isso levava, às vezes, horas para compor uma página. Era um “torturado da forma”, como Machado e Bilac. E atacado pelos puristas devido ao fato de empregar galicismos com frequência. Suas melhores obras são “As Cidades e as Serras”, “Correspondência de Fradaique Mendes” e os “Maias”.
Crítico mordaz da Igreja Católica, da sociedade e a inoperância portuguesa do século XIX, estampou essa verve no “Crime do Padre Amaro” e na “Relíquia”. Em “A Cidades e as Serras” deixou uma sátira contra o cepticismo. No “Primo Basílio” castigou o adultério.
Nesses tempos em que vivemos um processo dicotômico cada vez mais acentuado, ler ou reler a obra de Eça de Queiros, escrita há mais de cem anos se verá que, bastando transportá-la para os nossos dias, em essência, vê-se em que pouco ou nada mudamos.