Enchente resgatou geografia antiga de Porto Alegre

Enchente resgatou geografia antiga da capital e revelou traços apagados de Porto Alegre, trazendo à tona a configuração territorial de um passado muitas vezes apagado da história oficial. Para a…
Enchente resgatou geografia antiga de Porto Alegre
Foto: Enchente resgatou geografia antiga de Porto Alegre

Enchente resgatou geografia antiga da capital e revelou traços apagados de Porto Alegre, trazendo à tona a configuração territorial de um passado muitas vezes apagado da história oficial.

Para a pesquisadora Daniele Machado Vieira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estuda a presença negra no espaço urbano de Porto Alegre, a cheia recente evidenciou uma geografia ancestral que resistia apenas em memórias e registros históricos.

Daniele se dedica à reconstrução de uma cartografia que revela territórios tradicionalmente ocupados por comunidades negras, especialmente por mulheres e homens que, durante séculos, habitaram regiões como Areal da Baronesa, Colônia Africana, Ilhota e Redenção.

Esses locais, hoje em grande parte descaracterizados, foram durante muito tempo o coração pulsante da vida negra na capital gaúcha.

Com base em extensas pesquisas em mapas antigos, documentos oficiais, reportagens históricas, crônicas, registros fotográficos e relatos orais, a pesquisadora traça uma linha do tempo do processo de remoção forçada e marginalização dessas populações.

Para ela, a enchente de maio de 2024 nos auxilia a refletir sobre a geografia antiga da cidade, que passou por grandes transformações ao longo do tempo.

Enchente resgatou geografia e traços apagados

A cheia recente, ao invadir novamente os mesmos territórios historicamente ocupados, expôs com clareza como o planejamento urbano desconsiderou a geografia original da cidade e os saberes acumulados pelas populações que ali viviam.

A pesquisadora destaca que esse fenômeno natural acabou se transformando em um instrumento de memória involuntário.

Ao ocupar os mesmos espaços que um dia foram habitação e resistência da população negra, a água redesenhou a geografia de Porto Alegre, trazendo à tona o que foi ocultado pela história oficial e pela especulação imobiliária.

Daniele defende que o reconhecimento dessa geografia ancestral é essencial para repensar políticas públicas, urbanismo e direitos territoriais.

Ela acredita que resgatar essas memórias pode contribuir para um modelo de cidade mais justo, que valorize os saberes tradicionais e enfrente as desigualdades históricas.

Com a força das águas, vieram à tona também as cicatrizes urbanas: bairros construídos em áreas alagadiças, ausência de infraestrutura básica nas regiões mais periféricas e a contínua exclusão de comunidades negras do acesso pleno à cidade.

O impacto da enchente vai além dos prejuízos materiais – ele reforça a urgência de uma revisão crítica sobre o modelo de ocupação urbana.

A pesquisa da UFRGS demonstra que a catástrofe ambiental tem, também, uma dimensão social e histórica profunda.

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Ao escancarar vulnerabilidades, ela permite que se reabra o debate sobre pertencimento, identidade e o direito à cidade.

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