Especialista alerta para força da epidemia de Aids na Região Metropolitana de Porto Alegre
A Região Metropolitana de Porto Alegre enfrenta o maior foco epidemiológico da Aids dos últimos 15 anos, superando outros contextos geográficos do país. Porto Alegre lidera em incidência da doença, seguida de Alvorada e outros nove municípios onde a proporção não está sendo contida pelas ações municipais, alertou o professor da Faculdade de Medicina da UFRGS, Ricardo Kuchenbecker, durante audiência pública da Comissão de Saúde e Meio Ambiente. O autor da proposição, deputado Adão Villaverde (PT), coordenou o debate que envolveu representantes da secretaria estadual da Saúde e sociedade civil para tratar da gestão das políticas públicas de enfrentamento ao HIV/AIDS no Rio Grande do Sul.
Conforme o professor Ricardo Kuchenbecker, trata-se do maior foco epidemiológico na Região Metropolitana nos últimos 10 ou 15 anos, com Porto Alegre na primeira maior incidência e Alvorada, a segunda, “no Brasil, nenhum outro lugar tem tamanha concentração em área geográfica delimitada, de 30 a 40 km em linha reta, começando pela capital e avança por Viamão, Guaíba, Esteio, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Sapucaia”. Segundo ele, incapazes de conter a epidemia, os municípios precisam de outros mecanismos de integração porque “não dão conta do contorno epidemiológico”.
Rápido alastramento
O pesquisador aponta o uso de drogas injetáveis e o recuo de políticas de prevenção e redução de danos na Região Metropolitana, assim como o alastramento rápido da epidemia na população heterossexual, saindo dos chamados grupos de risco, e o agravamento da tuberculose, “esses alguns fatores que desenham uma epidemia de contornos complexos e que os municípios enfrentam sozinhos”. Esses elementos, combinados com a mobilidade populacional determinada pelo mercado de trabalho, também explica o contorno da epidemia na região, junto com o advento das redes sociais e a maximização das relações afetivas e sociais “sem qualquer resposta do poder público”, afirmou.
Kuchenbecker explicou que “durante muito tempo se acreditou que tinha maiores números em função de maior notificação, mas há uma década, o que explica os números de epidemia de Aids no Rio Grande do Sul, não só na Região Metropolitana mas na fronteira seca ou marítima, não se trata de melhor notificação, mas tem casuística em função de que o poder público não consegue coordenadamente responder à epidemia com essas características”, assegurando que não se trata do tipo de vírus, do comportamento do gaúcho ou da melhor notificação dos casos, mas “da falta de políticas públicas articuladas diante de uma condição que tem dimensão social forte e centrada em comportamentos que ditam o padrão de disseminação da doença”. Afirmou, ainda, que o contexto de subfinanciamento do SUS também é um desafio, mas ele acredita que os municípios, estados e a União devem promover uma articulação interfederativa capaz de responder a esse contorno, “do contrário vamos continuar observando esses números e essa tendência”, antecipando um cenário sombrio uma vez que “temos pouca informação, os dados não nos permitem prever o futuro sobre padrões de comportamento, olhamos para uma epidemia com poucos olhos e direcionamos uma resposta às cegas”.
Ações da secretaria
O diretor de Ações de Saúde da Secretaria Estadual da Saúde, Elson Farias, representou o secretário e trouxe diversas equipes que atuam nas diversas coordenadorias responsáveis pelas demandas de HIV/AIDS e tuberculose. Apresentou a nova coordenadora do IST/HIV/AIDS, Ana Lúcia Pecis Baggio, indicada dia 1º de setembro. Farias afirmou que o enfrentamento da Aids é prioridade através de ações intersetoriais e interdepartamentais. Diante das dificuldades de financiamento, ele sugeriu adotar o procedimento do Rio de Janeiro, onde as emendas parlamentares foram direcionadas para a área de saúde. Também detalhou procedimentos que dizem diretamente aos doentes, como as Casas de Apoio ou a medicação, que enfrentou “uma crise de logística” mas, assegurou, não está em falta. Informou que é projeto da secretaria melhorar a utilização das redes sociais e também aprimorar uma comissão de comunicação para facilitar os mecanismos da gestão compartilhada na atenção às pessoas.
Doença e esquecimento
O coordenador técnico do Forum de ONGs Aids, Rubem Raffo, fez um relato detalhado das dificuldades enfrentadas pela população contaminada, a relação com as políticas públicas e as falhas do sistema que “têm fragilizado ainda mais as pessoas”. Reclamou da demora de dois anos para a indicação da Coordenadora do Programa Estadual de enfrentamento da doença. Ele destacou o importante papel desempenhado pela combinação de gestão, sociedade civil e academia na primeira década de enfrentamento da doença, “cada um tinha o seu papel de construção política”, mas “a iniciativa foi sucateada e rompeu a relação, principalmente a sociedade civil, deixamos de lado a percepção da importância do nosso papel na luta contra a Aids”, revelou. Mostrou, ainda, que a piora está alinhada com a nova orientação internacional, que trocou as ações de prevenção educativa pela atenção psicológica e atendimento biomédico, “não somos vistos como seres humanos, mas como pacientes”. Sobrevivente da doença, mostrou o papel histórico do GAPA como agrupamento capaz de unificar e acolher os soropositivos quando o preconceito impedia ações efetivas para salvá-los.
Pelo Fórum ONGs, Gina Hermann fez um alerta para as limitações dos pacientes na busca da medicação, explicando que muitos omitem a doença no local de trabalho e têm dificuldades para retornar mais de uma vez na farmácia estadual. Nos questionamentos, diversos pacientes – homens e mulheres – e dirigentes de entidades de soropositivos questionaram os representantes da secretaria da Saúde, em especial a falta de ações de prevenção à Aids. Também cobraram recursos destinados pelo Ministério da Saúde ao governo estadual para entidades que atuam no enfrentamento da doença, e cobraram ação efetiva para evitar a falta de medicamentos. Também a Defensoria Pública da União se manifestou, através do defensor Atanásio Lucero, que explicou as ações do órgão no sentido de atender as carências da população.
Encaminhamentos
O deputado Adão Villaverde (PT), no encerramento da audiência, disse que o enfrentamento de uma epidemia com essa dimensão exige ações articuladas, “estamos diante de um cenário de grandes dificuldades, com o desmonte de políticas públicas que tinham avançado e regrediram”, assegurou. Ele observou que as tarefas estão direcionadas para a secretaria da Saúde, para a Assembleia e a sociedade civil. Sugeriu que a frente parlamentar que trata do assunte faça a mediação de uma reunião com a bancada federal e, também, o encaminhamento de pedido de subcomissão à Comissão de Saúde e Meio Ambiente para dar continuidade ao assunto no âmbito do Legislativo.
Calendário de audiências públicas
Antes da audiência pública, durante a reunião ordinária, o presidente da comissão, deputado Altemir Tortelli (PT), anunciou o calendário das próximas audiências públicas que serão realizadas durante o mês de setembro. Os dois requerimentos na Ordem do Dia não foram apreciadas por falta de quórum.
Dia 11, para debater as condições da atenção básica em saúde e a ampliação do atendimento no Hospital Alvorada, proposição da deputada Stela Farias (PT), às 14h, na Sala Maurício Cardoso, 3º andar.
Dia 14, para tratar do possível fechamento do Pronto Atendimento do município de Charqueadas, iniciativa do deputado Pedro Ruas (PSOL), às 19h, na Câmara de Vereadores da cidade.
Rede Gaúcha Pró-autismo
Moderador do movimento Rede Gaúcha Pró-Autismo, e presidente da Luz Azul Associação Pró-Autismo de Santa Cruz do Sul, Hugo Enio Braz, relatou reunião realizada dia 19 de agosto, em Porto Alegre, com associações de familiares de pessoas com autismo e 17 associações que formam a Rede Gaúcha Pró-Autismo, para mapear a realidade das pessoas com a doença no Rio Grande do Sul. Ele tornou público documento que aponta as dificuldades e limitações impostas aos portadores da síndrome e de seus familiares, em especial a falta de apoio da rede pública e privada de saúde. Apontou a necessidade de criar e implementar politicas publicas que atendam esse segmento da população, alertando para o desconhecimento do autismo, como a síndrome afeta a pessoa e como essa realidade impacta na vida familiar.
Presentes na reunião os deputados Altemir Tortelli (PT), presidente; Tarcísio Zimmermann (PT), Ciro Simoni (PDT), Pedro Pereira (PSDB), Sérgio Peres (PRB), e Adão Villaverde (PT).