Ex-Comandante dos Bombeiros depõe em júri da Kiss: “Pai, tu é bandido? Estão dizendo que tu matou gente lá”
Depoimento mais longo que passou pelo júri do caso Kiss até o momento, o ex-comandante do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros de Santa Maria, Coronel Gerson da Rosa Pereira, respondeu por 6 horas e meia aos questionamentos feitos por acusação e defesas dos réus.
O militar relembrou como foi a formação da força-tarefa que atendeu a ocorrência gerada a partir do incêndio na Boate Kiss.
“A minha atuação lá, naquele dia, foi operacional.
A preocupação, depois do incidente, foi garantir a prova”.
E se emocionou em diversos momentos do depoimento. “Choro todos os dias por esses pais, Só quero dizer o que penso e sinto, tecnicamente”.
Ele falou sobre o cenário encontrado na Kiss ao chegar lá naquela madrugada. “Imaginava uma situação difícil, mas não tanto”, disse o bombeiro.
Afirmou que chegou a ingressar na boate, mas que sua participação se deu na organização de meios e recursos que dessem conta de atender a ocorrência. “Ingressei na boate, passados 8 anos, já nem me recordo mais como era por dentro.
A gente fica com estresse pós-traumático e isso é normal”. Ainda segundo a testemunha, “havia muita gente perdida, em devaneio”.
Segundo Gerson, naquele momento, não havia mais a possibilidade de resgatar ninguém com vida. Preferiu não descrever o cenário encontrado nos banheiros da boate, onde estavam uma grande quantidade de vítimas. De acordo com o ex-Comandante, a razão das mortes não foi a carbonização. A grande maioria, foi por asfixia. “Foi rápido e letal”.
Atuaram na força-tarefa, inicialmente, a Base Aérea (na logística), Prefeitura Municipal de Santa Maria, Brigada Militar, Corpo de Bombeiros. “Tentamos definir os locais para fazer frente ao tamanho da tragédia.
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O Centro Desportivo Municipal (CDM) era o mais adequado para realização do gerenciamento”.
O espaço contava com 4 pavilhões. “Um foi destinado para receber os corpos das vítimas fatais. O segundo foi a zona de descompressão (apoio psicológico e religioso). E o terceiro, para que as famílias pudessem encaminhar questões”.
Em conversa com a coordenação do Instituto-Geral de Perícias (IGP/RS), se cogitou a possibilidade de encaminhar as vítimas fatais para Porto Alegre.
Houve a hipótese de utilização de caminhões frigoríficos, o que só se confirmou para o transporte do corpo de uma vítima para o estado do Mato Grosso.
“Achei muito complicado as famílias irem para as rodovias numa situação dessas. Então, invertemos a ordem. Levamos os peritos para Santa Maria”.
O Exército Brasileiro assumiu a administração da missão, com a chegada da então Presidente da República, Dilma Rousseff. “Continuamos desenvolvendo as mesmas técnicas de atendimento às famílias, tivemos uma atenção toda especial com elas”.
Sobre a falha no uso do extintor de incêndio, o militar informou que pode ter ocorrido problema de manuseio ou de recarga ou superaquecimento.
Quem decide onde esses equipamentos vão ficar localizados não são os bombeiros, mas o responsável técnico (engenheiro), com base na legislação. Os bombeiros fazem a revisão para ver se estão de acordo com a norma. Cada ambiente tem um tipo de extintor específico.
Segundo Gerson, pelo que exigia a legislação vigente na ocasião, a Boate Kiss não era objeto de interdição, mesmo o seu alvará de funcionamento estando vencido. “Conclui-se dizendo que os bombeiros aplicaram a norma. Naquele momento, a boate apresentava condições de segurança”, afirmou. “Segue trabalhando e aguarda a vistoria”.
O bombeiro detalhou as normas e quesitos para concessão do Alvará de Prevenção e Proteção contra Incêndio (APPCI). Em 2009, a Boate foi aberta e pertencia a outros sócios, que buscaram a emissão do APPCI.
No documento, havia a previsão de que a Kiss teria capacidade para receber 691 pessoas. “O laudo populacional não constava na pasta do plano de prevenção contra incêndio da boate porque ele não era exigido na época”.
Para a renovação do alvará, exige-se vistoria e um determinado número de funcionários com treinamento (pode ser ministrado pelos bombeiros e por empresa credenciada).
Também os extintores de incêndio devem estar de acordo com a norma exigida. “Comprovar que eles foram revisados pela empresa contratada da casa para efetuar este trabalho”.
Não soube precisar sobre a toxidade da espuma que revestia parte da estrutura do palco.
Gerson, que na época era Major, foi processado e respondeu pelo delito de fraude em documentos. Chegou a ser condenado a 6 meses de detenção, com conversão da pena em prestação de serviço à comunidade, mas informou que houve a extinção da punibilidade e o processo já transitou em julgado.
Ele foi acusado de fraudar documento (referente ao cálculo populacional da Boate Kiss, que seria de 691 pessoas) relacionado ao inquérito policial que apurou as causas do incêndio na boate com a intenção de confundir as autoridades.
“Aquele Delegado atirou a minha dignidade num saco. Fiquei 25 anos me dedicando ao serviço público e a esta instituição. Eu tenho honra e isso foi jogado no lixo”.
Ele disse que os bombeiros chegaram a receber homenagem pela atuação no sinistro. “A coisa começou a pegar um rumo que começamos a ser execrados. A gente está angustiado com isso há 8 anos. Houve casos em que coleguinhas de filhos de bombeiros perguntavam: ‘Pai, tu é bandido? Estão dizendo que tu matou gente lá’”, disse, emocionado.
Caso Kiss: Encerrado o 7° dia de júri com depoimento de Depôs
Ex-proprietário de uma boate de Santa Maria, a Ballare, Nilvo José Dornelles foi a última testemunha ouvida nesta terça-feira (7/12).
Este foi um dos dias mais longos de trabalho, tendo se iniciado às 9h e se encerrado às 22h20min. Segundo o empresário, era normal o uso de pirotecnia nos shows das bandas.
“Era conhecido por todo mundo”, afirmou. “Não era a Gurizada (Fandangueira), eram várias bandas”. Ele confirmou que isso ocorria também no seu estabelecimento.
O público-alvo da Ballare era universitário, o mesmo da Boate Kiss. As duas casas noturnas, na avaliação dele, eram do mesmo tamanho. Mas, “em termos de sofisticação, a Kiss era bem melhor”.
O uso dos artefatos pirotécnicos era o ponto alto das apresentações musicais. A contratação da Gurizada Fandangueira era negociada com o gaiteiro, Danilo (falecido no incêndio).
O empresário informou que não era avisado às bandas as condições estruturais da casa para utilização desses efeitos especiais. “Eu tinha medo, mas o meu barman me mostrou que era seguro”, disse o empresário, respondendo ao questionamento quanto às precauções ele tomava para fazer uso dos recursos pirotécnicos.
“Perdi vários amigos, mas vou dizer a verdade. Se ele tivesse caído, ficado doente e não tivesse ido à festa naquele dia, teria acontecido a tragédia da mesma forma”, afirmou a testemunha, referindo-se ao produtor musical Luciano Bonilha Leão.
Dornelles disse que apenas uma vez comprou artefatos pirotécnicos na loja Kaboom (onde foi adquirido o artefato usado no show pela banda). “Nunca disseram nada. Comprava, pagava e levava”, disse Dornelles, ressaltando que o procedimento era adotado também por outras lojas do ramo da cidade.
O empresário disse que chegou a ter o estabelecimento fechado por 4 meses em 2010. Também tinha problemas de vazamento acústico com um vizinho e revelou que instalou espumas nos exaustores.
“Um advogado me falou que havia uma espuma barata para colocar, se não resolvesse o problema”.
Hoje devem ser ouvidos o ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer (testemunha/Kiko), o Promotor de Justiça Ricardo Lozza (testemunha/Kiko), o publicitário Fernando Bergoli (testemunha/Mauro) e Geandro Kleber de Vargas Guedes (testemunha/Mauro), que trabalhava na administração de uma empresa de distribuição de bebidas.
TJ RS