Fábula da Joaninha do passo certo – Sergio Agra
SERGIO AGRA – Intelectual não vai a praia. Intelectual bebe.
FÁBULA DA JOANINHA DO PASSO CERTO
O fundamentalismo, tanto de direita como de esquerda, há muito invadiu as redes sociais. Respaldados pelo anonimato, ou de alcunhas que mais se prestam para camuflar a deselegância, o desaire a ignorância, o recalque, a covardia e o preconceito, invadem através da Internet, todos os sites que se lhes abrem espaços para democráticas manifestações ou comentários. Porém – e sempre há o porém! –, é ali onde despejam a bílis de suas vicissitudes para as quais, se flagrantemente excessivas, acovardados, temem que elas, as vicissitudes, tragam à tona “revelações” mal resolvidas de suas personalidades.
Para quem se dispõe por a cara à tapa e se compromete a escrever crônicas, contos, artigos críticos ou poesia, o que importa, por mais raivoso e baixo o comentário, é que os mais diversos gêneros de leitores, mesmo os fundamentalistas, o leiam e comentem. Aí reside o divertimento e a graça para quem escreve. Portanto, quanto maior o “tiroteio”, mais animado fica o escriba. No bom gauchês – eles, os fundamentalistas, gastam pólvora em chimangos.
Há de se transformar o escrever num ato lúdico, mesmo que o assunto venha a ser grave, sério. Na escrita, há de se também buscar o humor inteligente que, para as asas da imaginação, não ofereçam regras, limites, ou melhor, apenas um fundamental mandamento: a coerência, a solidez na argumentação da ideia defendida.
Hoje me proponho a algo até então, para mim, inédito: – a fábula poética, mesmo porque a realidade brasileira, que há quem pense parecer ficção de terror que só um Poe conseguiria criar, está trevosa..
Era uma vez uma joaninha,
também chamada Professorinha.
Dona Joaninha era uma joaninha
exageradamentecasmurrinha.
Gostava das coisas a seu jeitinho,
e exigia que todo ouvintezinho
rezasseconforme sua filosofiazinha.
Por isso vivia discursando
e muita briga arrumando.
Seu discurso era antigo,
retrógrado, cheirando a mofo,
esomente Dona Aranha, sua vizinha,
dele se valia para tecer o seu abrigo.
E discursa que discursa,
e manifesta que manifesta,
achou uma vermelha bandeirinha.
Deixou sua porta aberta
efoi pra rua desfilar.
Dona Joaninha ficou felicíssima,
pensando que estava certa,
e pôs-se a todos desafiar.
Vestiu uma saia amarelinha,
na cabeça um belo laço de fita,
onde a solitária estrelinha
negava tudo o que só ela tinha.
Mais tarde, Dona Joaninha
debruçou-se na janela
onde se pôs a cantar,
o que mais parecia um apelo:
“Quem quer casar com a Dona Joaninha,
que tem fita no cabelo
e muito dinheiro na ‘caixinha’?”.
Olhou pra direita, não viu ninguém.
Olhou pra esquerda e nada também.
Olhou para frente e viu chegando
um pescador elegante
que disse todo galante:
“Olha para mim, linda donzela,
eis um presente pra sua panela!”.
No samburá jazia uma lula gigante
em estertor apavorante.
Dona Joaninha emitiu um berror:
“Assassino pescador,
você matou meu grande amor!”.
“É apenas um molusco
que lhe oferto, Dona Joaninha,
como prova do meu imenso carinho!”.
“Você está mesmo muito maluco
– disse ela num quase soluço –
em entender ser presentinho,
matar a fonte de meu querer.
Você, bárbaro pescador,
e todos os outros hão de morrer,
por irem contra minha dor!
Vão morrer de sede no deserto,
Pois todos vocês, estão errados,
e por isso serão ferrados.
Estou me vendo, prestem atenção,
num próximo futuro,
caminhando e cantando,
seguindo a canção,
marchando direto
pros braços de um homem maduro.
Afinal, eu sou a Joaninha do passo certo!”.
Moral da história: “Quem sabe de mim sou eu!”