Colunistas

Filhos

Tive quatro filhos, dois homens e duas mulheres. Nos primeiros anos de vida deixei minha ex-esposa cuidando dos pequenos enquanto eu trabalhava. Não participava muito dos problemas que ela tinha com alimentação, vestuário e outras coisas próprias dos primeiros anos, ficando sob meus cuidados a subsistência de todos. Ano sim, ano não ela estava grávida. Quando veio o terceiro filho, como todos, em parto normal, eu resolvi fazer vasectomia. No entanto, quatro anos após a realização da cirurgia a vida nos levou a adotar uma menininha. E assim foram os primeiros anos.

Quando o mais velho atingiu seus cinco ou seis anos comecei a participar mais da vida dele. Formei um timinho de futebol na minha rua, e levava, aos sábados e domingos eles pra treinarem numa quadra de futebol de salão. Inscrevi-os num torneio e eles tiveram relativo sucesso ficando em terceiro lugar e eu recebendo uma medalha de técnico revelação do ano. Como o mais novo tinha uma diferença de quatro anos em relação ao mais velho não participava das brincadeiras e foi ficando para trás. Além do que, com a idade ele ficava cada vez mais parecido comigo. Eu era extremamente tímido quando menino, e esta timidez me acompanhou até meus trinta e poucos anos.

Ele também era tímido, e isso me fazia ver, como num espelho, uma imagem de mim mesmo com um defeito que eu não suportava. Me distanciei deste filho. Na época não me apercebi do motivo. Muitos anos depois que caiu a ficha e eu percebi por que eu agia assim. Com o mais velho no entanto era tudo perfeito. Ele era tudo o que não fui quando jovem. Bonito, com um monte de amigos e muitas meninas querendo namorá-lo.

Extrovertido ele curtiu a vida, e eu o recompensava por suas pequenas glórias. Entrou na faculdade, ganhou uma prancha de presente, apesar de morarmos, na época, em S. Leopoldo e não ter casa na praia. Nesta época eu estava me aposentando, pois iniciei muito cedo minha vida profissional. Resolvi comprar um café no shopping de S. Leo, para que minha mulher e minhas filhas cuidassem, e montei uma empresa de coletas de mercadorias urgentes (tipo Fedex), no início com um único carro. Meu primeiro erro. Coloquei meu filho mais velho como sócio.

Deveria tê-lo colocado como empregado, até que adquirisse experiência. Ele fazia as coletas e eu cuidava de conseguir clientes e da parte administrativa do negócio. Minha idéia era, mais para frente, poder esticar mais meus fins de semana para aproveitar com minha esposa as viagens e um pouco mais a vida. Como eu cuidava da parte mais operosa do sistema ele se acomodou só fazendo coletas, sem se interessar pela outra parte da empresa, apesar de minhas chamadas de atenção com respeito a isto. Enquanto isso, o mais novo, que ainda não podia dirigir por ser  menor, veio trabalhar junto, mas só na parte administrativa. Pretendia colocá-lo também como sócio.

No entanto, quando ele atingiu a maioridade, cursava Jornalismo na Unisinos, me disse que não queria ser sócio e que ficaria na empresa até tirar seu diploma. Após isto iria seguir sua carreira. Eu não botava fé. Como um garoto tão tímido poderia se destacar numa área que exigia uma exposição constante. Antes de se formar ele foi contratado para trabalhar na Rádio da própria faculdade e saiu da empresa, que nesta época já tinha muitos clientes, principalmente do Pólo Petroquímico. A frota se constituía de 23 carros, entre furgonetes e vans.

Resumindo, em seguida ele foi contratado pela Rádio Gaúcha, primeiramente como treinee, e depois passou para a produção. No início produzia o programa de Rogério Mendelski e depois passou a produzir o Chamada geral 1ª e 2ª edição. Fechou minha boca. Obteve o sucesso que merecia.

No entanto meu filho mais velho, não concordando já com minha forma de administrar pediu para desfazer a sociedade. Como ele era mais novo e eu já estava aposentado fiz uma proposta para ele. Estipulei um preço médio do que valia a empresa e vi se ele queria ficar ou queria que eu ficasse. Ele optou por ficar com a empresa assumindo pagar a minha parte.  Saí da empresa no mesmo dia. Contrato na Junta com um valor simbólico e fizemos um contrato de “gaveta” estipulando o nosso acordo. Nem registrei em cartório. Era meu filho e confiava nele. Logo depois de desfeita a sociedade outra pessoa também manifestou o desejo de acabar a “sociedade” comigo. Minha esposa me pediu o divórcio. Longos oito meses pedindo para ela desistir da intenção de se divorciar.

Eu não queria acabar com o casamento. Mas ela se manteve irredutível. Em janeiro de 2001 saí do apartamento que dividíamos e fui morar de aluguel num kitchinet. Com medo da solidão logo apareceu alguém para dividir minha vida novamente. Vim morar no apartamento que havíamos adquirido na praia. Quanto aos filhos. O mais velho, assim que saí do apartamento, parou de pagar sua dívida comigo. Como não tinha registrado o contrato e minha cópia sumiu nada pude fazer. O mais novo subia gradativamente na Rádio. No entanto em 2.003 uma leucemia o levou.

No enterro dele é que fui realmente conhecer quem era meu filho. O diretor da Rádio Gaucha compareceu ao velório, assim como todos seus colegas. Só palavras de elogio para o homem integro, honesto, amistoso e sempre bem humorado, além de excelente profissional. O mais velho continuou tocando a empresa por mais dez anos, enquanto as empresas do Pólo Petroquímico, que eu arranjara, eram seus clientes. Depois de dez anos cancelaram o contrato que tinham com a empresa e meu filho teve de fechar as portas. Como nos enganamos com as pessoas, podemos nos enganar até com quem nos é querido e estão dentro de nossa própria casa. Hoje eu e meu filho voltamos a nos relacionar. Passamos uma esponja no passado e resolvemos começar de novo o relacionamento, assim como voltei a ter amizade com minha ex-esposa. É a vida nos ensinando, sempre, que as aparências sempre vão nos enganar.

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