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Guiomar ainda existe, sim

Umberto Eco (O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault, Baudolino), na sua mais recente e não menos instigante obra – O Cemitério de Praga –, através de Simonini, o protagonista, é taxativo ao enunciar que os judeus austríacos, quando enriqueciam, compravam sobrenomes graciosos, de flor, de pedras preciosas ou de metal nobre, daí Silbermann ou Goldstein; os mais pobres adquiriam sobrenomes como Grünspan (azinhavre). Na Itália, na Espanha como em Portugal, mascaravam-se adotando nomes de cidades, frutos ou árvores.

Daí a explicação do porque, ao se conhecer o “Coronel” João de Morais Pereira, meu bisavô, tinha-se a nítida impressão de se estar à frente de um cristão novo, ou judeu convertido.

João Pereira casou-se quatro vezes. Minha avó, Doralina Pereira Agra, foi fruto do segundo matrimônio do “Coronel” com “Dona” Assumpção.

A “bisa”, à exceção para com minha avó, não fora muito generosa na escolha dos nomes das filhas: Robertina, Eglantina, Edecina, Felisbina, Pedrolina, Amarina e uma sucessão, até alcançar a marca de nove, heroicas e entristecidas “inas”.

Nomes como os de minhas tias-avós, para felicidade e desafogo das mulheres de hoje, não mais se tem conhecimento. O mesmo serve para Proserpina, Mimosa, Adelina, Anastácia, Engrácia, Ermelina, Ondina, Quitéria, Zeferina.

Salvo as Edicleides, Suellens, Gabriellens, bregas heroínas de fotonovelas, as mães, por iluminação divina não mais se atrevem lançar à fogueira do ridículo nominal suas filhas.

Li, recentemente, uma crônica que contava a história de Guiomar, uma linda mulher. Nos anos 50, mulheres lindas podiam se chamar Guiomar.

Guiomar era casada com o craque da seleção brasileira de 58 e 62, Didi. Ela sempre cuidou dos interesses do companheiro. Era ela quem negociava os seus contratos e fazia eventuais reivindicações aos dirigentes dos clubes em que o marido jogava. Didi seguiu casado e feliz até o fim da vida. Quando morreu, aos 72 anos de idade, Guiomar murchou de tristeza e morreu um mês e meio depois.

O autor da crônica, em sua ótica, afirma que hoje dificilmente se encontrará uma Guiomar. Se encontrar, será bem velhinha. As mulheres não se chamam mais Guiomar.

Por desavisado, comete, no entanto, essa injustiça, sobretudo no título dado ao seu texto: “Guiomar não existe mais”.

Não só existe como é bonita. Sequer é velhinha e os olhos azuis são os olhos e os faróis do marido. Guiomar existe, sim, e, a exemplo da Guiomar de Didi, não só cuida dos interesses, é a fonte de inspiração desta e de tantas outras crônicas que escrevo.

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