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Leniya: – O amor no tempo do LSD – Sérgio Agra

LENIYA: — O AMOR NO TEMPO DO LSD

É melhor viver dez anos de uma vida efervescente

do que morrer aos setenta e ter passado a vida assistindo TV. — Janis Joplin

(as autoras também poderiam ser Amy Winehouse ou Leniya)

Fui convidado para o casamento de Leniya. Eu estava tão ou mais perplexo do que os amigos, os convidados… Era,pois, eu o próprio noivo!!!

No foyer do Teatro… — ah, sim, Leniya decidira realizar as bodas no palco do Municipal…no foyer do Teatro aguardávamos, os convivas e eu, o início da intrigante cerimônia quando percebi que as mulheres sussurravam umas com as outras:

Leniya sempre foi…Não se fez imprescindível que eu escutasse o restante do cicio daquelas senhoras.

Torna-se imperioso que eu volte no tempo, cerca de 50 anos, para que possa narrar esta história da maneira mais coerente possível, se bem que tudo vá parecer algo proveniente da imaginação de um doidivanas. Era esta a conclusão de todas as convidadas a respeito de Leniya.

Conheci Leniya quando de nossa mudança para um prédio recém-construído. Leniya viera poucos dias depois morar com a família no apartamento ao lado do nosso. Eu contava cinco anos de idade, dois a mais do que ela. Leniya fora minha primeira referência feminina. Cedo ela dava mostras de uma personalidade fora dos eixos. As amigas adolescentes eram taxativas:

Leniyaestá acem anos à nossa frente…

Nas reuniões dançantes Leniya era ferrenhamente disputada entre mim e todos os rapazes da turma. Ao final dos bailinhos eu disparava para o escurinho de meu quarto. Leniya então se transfigurava para o mal-estar de minha mãe ao recolher os lençóis de minha cama na manhã seguinte na imagem voluptuosa de meus delírios onanistas.Não tardei a perceber o que eu julgava ser apenas fantasia sexual transformara-se em amor.

Leniya, inobstante, transitava em órbitas diferentes. Numa noitada no Hippopotamus, emblemática boate dos anos 70, conhecera Didu Doccifoglio, criado em meio aos drinques e às quadras de golfe do Gávea Country Club. Seria inexequível eu, filho de bancário, confrontar o herdeiro de família semanalmente bajulada na coluna do Ibrahim. Em três meses Leniyae Didu tornaram-se marido e mulher.Decidi então pelo celibato e pela eutanásia da minha paixão.

Os porres e os barracos protagonizados por ambos no Jirau, no Zum Zum e em outros clubes noturnos da Zona Sul do Rio de Janeiro eram o prato cheio dos paparazzi quando sequer a interferência de Ibrahim servia para que as mídias omitissem noticiar o escândalo. Desvairado, após uma discussão mais séria, Didu montou em sua Harley Davidson e bailou na Curva do Calombo… No velório, Manoelita Doccifoglio desincumbiu-se — entre prantos contidos e discretos suspiros abafados por delicados lencinhos de renda, como convém a uma socialite em vitimizar a imagem do filho defunto, atribuindo a Leniya— que era tão ou mais vítima quanto o finado — a culpa de ter induzido o desportista e campeão Didu ao caminho das drogas. Esquecera-se Manoelita de que Didu era maior de idade, vacinado, eleitor, um homem feito, de personalidade forte e dono de seu livre arbítrio. Se ele provara dentre outros os encantos da fadinha verde seguindo Leniya em suas “viagens siderais” fora por sua única e exclusiva vontade. Afinal, havia décadas que ele abandonara os cueiros.

Leniya desapareceu por mais de anos.

Eu sorvia um Cappuccino na Confeitaria Colombo. Um vulto de mulher se aproxima. Ela retira os imensos óculos com armação preta que ocultava seu rosto. Percebo Leniya à minha frente. Sem qualquer embaraço ela me pergunta:

Demorei?

Surpreso, ante minha própria desenvoltura respondo:

Apenas 30 anos!

Sem qualquer indício de ironia Leniya ameniza:

Não importa!e o malicioso sorriso lhe aflora o semblante Você não é a minha boemia, mas aqui me tem de regresso e, como diria Marcel Proust, pronta para à larecherchedutempperdu

Leniya tenta me desconsertar falando por metáforas, mesclando música e literatura. Não obstante eu mantenho a lucidez:

significa, em outras palavras, que…

Ela apoia a mão esquerda sobre meu ombro, abre o mais fascinante dos sorrisos e determina a sentença:

que haverá casamento. O nosso!

Naquele átimo perdi o domínio de que até então eu era senhor. Finalizando, ela arremata:

Deixa as providências todas comigo. Será no Teatro Municipal, daqui a duas semanas. A suíte está reservada! E se retira com a mesma airosidade com que chegara, deixando numa das mesas da Confeitaria Colombo um homem inteiramente atônito a segurar uma taça com o cappuccino agora frio e amargo.

Encontramo-nos no Foyer do Teatro Municipal, meus amigos e os convidados. Eu trajo um fraque confeccionado por Vasco Vasconcellos, que Leniya  fizera vir de São Paulo com exclusividade. Às 10 horas da noite as largas portas de acesso à plateia se abrem. A primeira visão fora para o vistoso tapete vermelho entre as alas das poltronas e que alcançava o palco através de uma plataforma. No centro do proscênio iluminado a guisa de altar, a réplica cor-de-rosa do Cadilac Eldorado conversível que pertencera a Elvis Presley. Um homem solenemente vestido num libré, mãos cobertas por impecáveis luvas brancas, conduz-me até atrás do automóvel. A abertura de “Assim Falou Zaratustra”, de Strauss, explode nos potentes amplificadores estrategicamente espalhados pela plateia. De repente, do alto de uma das coxias laterais, irrompe a figura de uma Jane Fonda na pele de Barbarela, vestindo um body de couro negro, uma besta firmemente segura pela destra, equilibrando-se sobre uma prancha de surfe sustentada por um corrediço que ia de um sidestage a outro do palco. A “Barbarela” não era outra que não Leniya.

Ao atingir o centro do palco, exatamente sobre onde se encontrava o Cadilac, a prancha inclina-se levemente e Leniya-Barbarela pousa exatamente sobre o volante do conversível. A plateia de convidados não esconde a perplexidade e, antes de qualquer reação minha e dos presentes, despindo-se da personagem de Barbarela, encarna uma nova personagem: a Macabéade “A Hora da Estrela” e profere:

Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?

No telão, ao fundo do palco, irrompe a imagem de Elvis Presley. E pelos amplificadores a voz de virtuoso barítono entoa “WhatNowMy Love”. Leniya-Barbarela-Macabéa engrena a primeira marcha do Cadilac e num arranque surpreendente e estrondoso desce a rampa e sobre o tapete vermelho cruza pela plateia, rompe o foyer e num voo mágico sob a luz da nova manhã ganha as ruas orvalhadas da Cinelândia.

A suave luz do pequeno relógio digital sobre a mesa de cabeceira me avisa que agora são apenas 2h45min.

Fui convidado para o casamento de Leniya. Eu estava tão ou mais perplexo do que os amigos, os convidados… Era,pois, eu o próprio noivo!!!

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